São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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"O PRÍNCIPE"

Diretor de "Sábado" produz obra com personagens mal desenvolvidos e referências literárias desconexas

Giorgetti cria trama frouxa com idéia banal

MARIO SERGIO CONTI
CRÍTICO DA FOLHA

Quantos filmes foram feitos sobre um grupo de amigos que, tendo passado a juventude juntos, se reencontram na idade madura para constatar que suas expectativas não se cumpriram? Dezenas.
É essa idéia surrada que orienta "O Príncipe". Idéia banal que o Ugo Giorgetti desenvolve numa trama frouxa e ilógica, com personagens mal desenvolvidos e referências literárias desconexas.
Gustavo (Eduardo Tornaghi) é o príncipe do título. Ele vive há 20 anos em Paris, de onde retorna a São Paulo para acompanhar o tratamento de um sobrinho (Ricardo Blat) que teve um surto psicótico. O filme insinua que Gustavo se exilou, o que é um despropósito, já que viajou depois da lei da anistia, de 1979. Também não explica o que ele faz lá, se casou, do que vive, quais os seus interesses.
Numa outra incongruência temporal, Gustavo, assim como os amigos que reencontra, aparenta ter mais de 50 anos. Todos tinham mais de 30 quando ele deixou o Brasil. Presume-se que não eram propriamente jovens sonhadores como o filme dá a entender. Gustavo é um personagem abúlico. Não age, não reage, quase não fala, não se emociona ou raciocina, o que casa bem com a inexpressividade de Tornaghi.
Gustavo ouve os amigos. Ouve na clínica psiquiátrica o demente que acha que se deve ensinar nas escolas que foi o Exército brasileiro que libertou Berlim no fim da Segunda Guerra Mundial. Ouve numa academia de ginástica o que ganha a vida com auto-ajuda gerencial e cultural (Ewerton de Castro). Ouve num restaurante o jornalista bêbado e cínico (Otávio Augusto) que vitupera contra tudo. Ouve na fabriqueta abandonada aquele (Elias Andreato) que ajuda os pobres do Bom Retiro. Ouve numa sala de executiva a ex-namorada que lhe diz que fez tudo errado na vida e está infeliz apesar de ser linda (é interpretada por Bruna Lombardi) e rica.
Aqui e ali, há boas tiradas. É o caso da proposta feita a Gustavo pelo amigo que se dedica à picaretagem da auto-ajuda: fazer palestras para executivos sobre "O Príncipe", de Maquiavel, de modo a que eles instrumentalizem o livro em disputas empresariais.
Ou então da visão que o velho jornalista tem sobre colunistas: um faz o papel de "esquerdinha", outro o de "direitinha", um terceiro o de revoltado com a miséria. Nessas cenas, parece que Giorgetti vai retomar a linha do comentário social mordaz de "Sábado", seu melhor filme. Mas o diretor abandona os temas da mercantilização da cultura e da encenação de tipos políticos na imprensa.
Em vez de usar o humor, para o qual tem criatividade e ritmo, Giorgetti se enredou em pomposas alusões literárias. O sobrinho maluco é associado ao universo fantástico de Jorge Luis Borges. Gustavo, além de ser justaposto ao "Príncipe" maquiavélico, se autodenomina "O Príncipe de "A Náusea'", o romance de Jean-Paul Sartre, e encarna "O Grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald.
A salada literária não esconde que Giorgetti não tem quase nada a dizer. A última frase de "Gatsby", que Bruna Lombardi recita lindamente, diz tudo, e muito mais, que "O Príncipe" pretende articular: "E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado".


O Príncipe  
Produção: Brasil, 2002
Direção: Ugo Giorgetti
Com: Eduardo Tornaghi, Bruna Lombardi e Ricardo Blat
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco 1, Morumbi 6 e circuito



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