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"O PRÍNCIPE"
Diretor de "Sábado" produz obra com personagens mal desenvolvidos e referências literárias desconexas
Giorgetti cria trama frouxa com idéia banal
MARIO SERGIO CONTI
CRÍTICO DA FOLHA
Quantos filmes foram feitos
sobre um grupo de amigos
que, tendo passado a juventude
juntos, se reencontram na idade
madura para constatar que suas
expectativas não se cumpriram?
Dezenas.
É essa idéia surrada que orienta
"O Príncipe". Idéia banal que o
Ugo Giorgetti desenvolve numa
trama frouxa e ilógica, com personagens mal desenvolvidos e referências literárias desconexas.
Gustavo (Eduardo Tornaghi) é
o príncipe do título. Ele vive há 20
anos em Paris, de onde retorna a
São Paulo para acompanhar o tratamento de um sobrinho (Ricardo Blat) que teve um surto psicótico. O filme insinua que Gustavo
se exilou, o que é um despropósito, já que viajou depois da lei da
anistia, de 1979. Também não explica o que ele faz lá, se casou, do
que vive, quais os seus interesses.
Numa outra incongruência
temporal, Gustavo, assim como
os amigos que reencontra, aparenta ter mais de 50 anos. Todos
tinham mais de 30 quando ele
deixou o Brasil. Presume-se que
não eram propriamente jovens
sonhadores como o filme dá a entender. Gustavo é um personagem abúlico. Não age, não reage,
quase não fala, não se emociona
ou raciocina, o que casa bem com
a inexpressividade de Tornaghi.
Gustavo ouve os amigos. Ouve
na clínica psiquiátrica o demente
que acha que se deve ensinar nas
escolas que foi o Exército brasileiro que libertou Berlim no fim da
Segunda Guerra Mundial. Ouve
numa academia de ginástica o
que ganha a vida com auto-ajuda
gerencial e cultural (Ewerton de
Castro). Ouve num restaurante o
jornalista bêbado e cínico (Otávio
Augusto) que vitupera contra tudo. Ouve na fabriqueta abandonada aquele (Elias Andreato) que
ajuda os pobres do Bom Retiro.
Ouve numa sala de executiva a ex-namorada que lhe diz que fez tudo errado na vida e está infeliz
apesar de ser linda (é interpretada
por Bruna Lombardi) e rica.
Aqui e ali, há boas tiradas. É o
caso da proposta feita a Gustavo
pelo amigo que se dedica à picaretagem da auto-ajuda: fazer palestras para executivos sobre "O
Príncipe", de Maquiavel, de modo
a que eles instrumentalizem o livro em disputas empresariais.
Ou então da visão que o velho
jornalista tem sobre colunistas:
um faz o papel de "esquerdinha",
outro o de "direitinha", um terceiro o de revoltado com a miséria.
Nessas cenas, parece que Giorgetti vai retomar a linha do comentário social mordaz de "Sábado",
seu melhor filme. Mas o diretor
abandona os temas da mercantilização da cultura e da encenação
de tipos políticos na imprensa.
Em vez de usar o humor, para o
qual tem criatividade e ritmo,
Giorgetti se enredou em pomposas alusões literárias. O sobrinho
maluco é associado ao universo
fantástico de Jorge Luis Borges.
Gustavo, além de ser justaposto
ao "Príncipe" maquiavélico, se
autodenomina "O Príncipe de "A
Náusea'", o romance de Jean-Paul
Sartre, e encarna "O Grande
Gatsby", de F. Scott Fitzgerald.
A salada literária não esconde
que Giorgetti não tem quase nada
a dizer. A última frase de
"Gatsby", que Bruna Lombardi
recita lindamente, diz tudo, e
muito mais, que "O Príncipe"
pretende articular: "E assim prosseguimos, botes contra a corrente,
impelidos incessantemente para
o passado".
O Príncipe
Produção: Brasil, 2002
Direção: Ugo Giorgetti
Com: Eduardo Tornaghi, Bruna
Lombardi e Ricardo Blat
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco 1, Morumbi 6 e circuito
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