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Ana Carolina filma as várias faces do poder
DA REPORTAGEM LOCAL
A Cinemateca Brasileira apresenta, de hoje ao dia 18, seis ângulos cinematográficos do poder. Todos pertencem à mirada da cineasta Ana Carolina;
Nome singular no cinema brasileiro, a diretora falou à Folha sobre seu tema recorrente, seu agente detonador: a preocupação de "saber quem manda". (SA)
Folha - "Amélia" foi escalado em
todos os dias da retrospectiva, com
a intenção de um relançamento, já
que se avalia que o filme não teve
acolhida à altura de suas qualidades . A sra. o considera injustiçado?
Ana Carolina - Não vou usar a
palavra injustiça, porque ela é forte. Mas "Amélia" suportaria uma
visibilidade maior. Do ponto de
vista do tema, é um filme na contramão. Ele é absolutamente político, uma metáfora sofisticadíssima do Brasil, mas muito clara.
Folha - Sobre a exibição de sua
trilogia ("Mar de Rosas", "Das Tripas Coração", "Sonho de Valsa"), a
sra. tem uma sensação particular?
Ana Carolina - É superbacana,
porque dá uma curva da trajetória
do meu trabalho. Passando o [documentário" "Getúlio Vargas"
(1974), tudo parece que tem começo, meio e não fim, porque não
estou parando de fazer cinema,
mas uma curva de mudança de tema, de estilo, de alcance de público e, principalmente, de qualidade cinematográfica. Isso, para
mim, reafirma uma existência.
Folha - A sra. se refere a uma mudança de tema e não ao refinamento de um mesmo tema?
Ana Carolina - Sempre estou
preocupada em saber quem manda. É meu agente detonador. O
"Getúlio" já era isso. Quem manda, como manda e por que manda. Depois, há o microuniverso de
quem manda numa família ("Mar
de Rosas"); o microuniverso de
quem manda numa instituição
que é a escola ("Das Tripas Coração") e as relações homem/ mulher ("Sonho de Valsa").
A mudança de tema é: em
"Amélia", continuo discutindo o
poder, mas é o poder com mão e
contramão. Na medida em que
falo de uma mulher que estava no
auge da civilização, a Sarah Bernhardt, e que vem se confrontar
com mulheres do interior de Minas, há o encontro da barbárie e a
civilização.
Mas quem é a barbárie e quem é
a civilização? É claro que a barbárie não é o Brasil e a civilização
não é a França, apesar de ser assim visto.
Folha - Concorda que em "Gregório de Mattos" a temática do poder
persiste, mas numa abordagem da
sexualidade?
Ana Carolina - Não. O "Gregório" não é propriamente uma metáfora, porque ele existiu. O que se
pode discutir do poder em Gregório é que ele era um ruído muito
alto na sociedade baiana de 1630.
Ele é o marco zero na discussão de
uma sociedade brasileira. Discute
escancaradamente o poder.
Existe o Gregório erótico, mas o
Gregório desabrido em relação ao
poder é visível. Ele fala mal do governo como e quanto quer. É degredado para Angola por causa
disso. Chegou a dizer que o governador da Bahia era fanchono [homossexual". Imagine isso em
1650, numa minicidade colonial.
Folha - Por isso chama a atenção
que a sra. tenha dedicado o filme
ao povo e ao governo da Bahia.
Ana Carolina - Por quê?
Folha - Porque se tem dúvida do
que é exatamente a dedicatória.
Ana Carolina - Sou o oposto do
maniqueísmo. Onde existe o
bom, existe o ruim e vice-versa.
Seria demagógico dedicar ao povo da Bahia, se foi o governo da
Bahia que me deu o apoio cultural
e financeiro para realizar esse filme. Não é uma contradição. Ou,
qual é a coisa no Brasil que não é
uma contradição?
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