São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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Ana Carolina filma as várias faces do poder

DA REPORTAGEM LOCAL

A Cinemateca Brasileira apresenta, de hoje ao dia 18, seis ângulos cinematográficos do poder. Todos pertencem à mirada da cineasta Ana Carolina;
Nome singular no cinema brasileiro, a diretora falou à Folha sobre seu tema recorrente, seu agente detonador: a preocupação de "saber quem manda". (SA)

Folha - "Amélia" foi escalado em todos os dias da retrospectiva, com a intenção de um relançamento, já que se avalia que o filme não teve acolhida à altura de suas qualidades . A sra. o considera injustiçado?
Ana Carolina -
Não vou usar a palavra injustiça, porque ela é forte. Mas "Amélia" suportaria uma visibilidade maior. Do ponto de vista do tema, é um filme na contramão. Ele é absolutamente político, uma metáfora sofisticadíssima do Brasil, mas muito clara.

Folha - Sobre a exibição de sua trilogia ("Mar de Rosas", "Das Tripas Coração", "Sonho de Valsa"), a sra. tem uma sensação particular?
Ana Carolina -
É superbacana, porque dá uma curva da trajetória do meu trabalho. Passando o [documentário" "Getúlio Vargas" (1974), tudo parece que tem começo, meio e não fim, porque não estou parando de fazer cinema, mas uma curva de mudança de tema, de estilo, de alcance de público e, principalmente, de qualidade cinematográfica. Isso, para mim, reafirma uma existência.

Folha - A sra. se refere a uma mudança de tema e não ao refinamento de um mesmo tema?
Ana Carolina -
Sempre estou preocupada em saber quem manda. É meu agente detonador. O "Getúlio" já era isso. Quem manda, como manda e por que manda. Depois, há o microuniverso de quem manda numa família ("Mar de Rosas"); o microuniverso de quem manda numa instituição que é a escola ("Das Tripas Coração") e as relações homem/ mulher ("Sonho de Valsa").
A mudança de tema é: em "Amélia", continuo discutindo o poder, mas é o poder com mão e contramão. Na medida em que falo de uma mulher que estava no auge da civilização, a Sarah Bernhardt, e que vem se confrontar com mulheres do interior de Minas, há o encontro da barbárie e a civilização.
Mas quem é a barbárie e quem é a civilização? É claro que a barbárie não é o Brasil e a civilização não é a França, apesar de ser assim visto.

Folha - Concorda que em "Gregório de Mattos" a temática do poder persiste, mas numa abordagem da sexualidade?
Ana Carolina -
Não. O "Gregório" não é propriamente uma metáfora, porque ele existiu. O que se pode discutir do poder em Gregório é que ele era um ruído muito alto na sociedade baiana de 1630. Ele é o marco zero na discussão de uma sociedade brasileira. Discute escancaradamente o poder.
Existe o Gregório erótico, mas o Gregório desabrido em relação ao poder é visível. Ele fala mal do governo como e quanto quer. É degredado para Angola por causa disso. Chegou a dizer que o governador da Bahia era fanchono [homossexual". Imagine isso em 1650, numa minicidade colonial.

Folha - Por isso chama a atenção que a sra. tenha dedicado o filme ao povo e ao governo da Bahia.
Ana Carolina -
Por quê?

Folha - Porque se tem dúvida do que é exatamente a dedicatória.
Ana Carolina -
Sou o oposto do maniqueísmo. Onde existe o bom, existe o ruim e vice-versa. Seria demagógico dedicar ao povo da Bahia, se foi o governo da Bahia que me deu o apoio cultural e financeiro para realizar esse filme. Não é uma contradição. Ou, qual é a coisa no Brasil que não é uma contradição?



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