São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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COMENTÁRIO

Ana Carolina livrou mulher de jogo patriarcal

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

No "mar de rosas" do "Brasil Grande" dos anos 70, Felicidade (Norma Bengell), uma dona-de-casa que encarna, em toda a sua opressão e desespero, a condição feminina na sociedade patriarcal brasileira, inaugura a obra ficcional de Ana Carolina matando o marido. Gesto cujo simbolismo estará sempre no cerne dessa obra que é uma das mais autorais do cinema brasileiro.
Para nascer, o cinema da mulher brasileira teve que se livrar do peso e da herança do passado patriarcal e dessas "imagens de si mesmas" que os homens costumam criar para as suas mulheres -"Não vendemos aos homens até mesmo nossos desejos mais profundos?", perguntava-se uma das personagens de "Das Tripas Coração".
Foi preciso apartar-se também das "palavras de ordem": a originalidade dos primeiros filmes de Ana Carolina reside sobretudo na forma como subverte os hinos e ditados patriarcais, colocando a fala sempre em primeiro plano para dar voz à mulher.
Da opressão de "Mar de Rosas" (1977), realizado em pleno regime militar, à histeria de "Das Tripas Coração", realizado em plena redemocratização, em que todo discurso de autoridade masculina é desmascarado por uma (segunda) conotação (sempre) sexual, que corrói de licenciosidade a fachada do patriarcalismo nacional, a obra da cineasta segue um processo de liberação e transbordamento da psique feminina que culmina em "Sonho de Valsa".
Da dona-de-casa frustrada ("Mar de Rosas") à dondoca perdida ("Sonho de Valsa"), personagens de Ana Carolina, mulheres de todas as classes, nunca deixaram de encarnar, em suas crises, a própria realidade brasileira.


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