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A LÍNGUA ABSORVIDA
Autor trabalha agora com material coletado em aldeias de índios de Brasil, Paraguai e Argentina
Escritor desafia as fronteiras do soneto
DA REPORTAGEM LOCAL
A experiência acumulada da vivência nas fronteiras pelo poeta
Douglas Diegues, 38, está concentrada em sua literatura reunida
em "Dá Gusto Andar Desnudo
por Estas Selvas - Sonetos Salvajes". A forma rígida dos sonetos,
que serviam às construções poéticas clássicas, parece insuficiente
para conter a explosão de coisas
que precisam ser expressas.
Por isso, os versos dos "Sonetos
Salvajes" mantêm a rima e o número como manda a regra, mas
estão esgarçados no tamanho.
Como escreveu o poeta Glauco
Mattoso na orelha do livro, é uma
"transgressão dentro da tradição". Explica-se Diegues: "A poesia é uma invenção. Não há um
protótipo único de poesia de qualidade. Cada poeta tem um modo
de dizer-se, de se escrever, seja
com uma Bic ou um canhão de
raio laser. Mas não bastam leituras, conhecimento".
Numa espécie de implosão interna, os textos do autor vão traduzindo um país pouco conhecido, o do vasto oeste fronteiriço,
onde a presença indígena é fundamental. "As culturas indígenas do
Paraguai me fascinam desde que
me dei conta de que neste país
ainda sobrevivem quatro famílias
linguísticas que se subdividem em
16 etnias. Culturas de uma riqueza
sem preço. Cada índio é um dicionário de palavras, de mitologia e
de botânica a um só tempo."
O caminho que Diegues assim
empreende com sua literatura é o
do despojamento, que invade seu
próprio estilo de vida, ou vice-versa. "Vendo orquídeas para sobreviver. Um taiwanês que mora
aqui, amigo generoso, tem um orquidário e me dá essa oportunidade de ganhar algum dinheiro com
ele para passar por este mundo
sem muita angústia econômica.
Vendo orquídeas nas ruas, na feira. Às vezes não vendo nada. Enquanto espero compradores, leio,
escrevo, traduzo, penso, deliro."
Essa experiência de viver fronteiras, seja a geográfica, a econômica, a cultural ou a linguística,
sempre acompanhou o autor.
"Meu pai era jornalista e conheceu minha mãe durante uma reportagem sobre contrabando de
café na fronteira com o Paraguai.
Então minha mãe fugiu com ele
para o Rio. Lá nasci e morei até a
separação deles, quando eu não
tinha ainda dois anos. Minha mãe
voltou então a morar com o pai
dela na fronteira, o meu avô espanhol. De modo que fui criado aqui
nesse entre-línguas e não me sinto
nem um pouco carioca."
Diegues acaba de receber R$ 20
mil do Fundo de Investimentos
Culturais do Governo de Mato
Grosso do Sul para organizar o livro-CD "Cosmofonia Mbyá Guarani". A idéia é lançar no Brasil o
disco do paraguaio Guilhermo
Sequera, "Paraguay: Música
Mbyá Guarani".
"Sequera coletou durante mais
de dez anos algumas peças pelas
aldeias Mbyá que se escondem
entre as fronteiras do Brasil, do
Paraguai e da Argentina. Apresentei o projeto de uma edição
com a transcrição dos cantos originais e sua tradução."
O volume deve ser editado em
parceria com a curitibana Travessa dos Editores, a mesma que lançou "Dá Gusto Andar Desnudo
por Estas Selvas". "Agora os sonetos já podem circular desnudos
decentemente pelas selvas deste
mundo, urbanas, secretas, pré-urbanas, selvas de massa encefálica
e outras, deste e do outro lado da
fronteira."
(ROGÉRIO EDUARDO ALVES)
DÁ GUSTO ANDAR DESNUDO POR ESTAS SELVAS - SONETOS SALVAJES.
De: Douglas Diegues. Editora: Travessa
dos Editores (tel. 0/xx/41/264-9463).
Quanto: R$ 8 (43 págs.).
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