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São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2003

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"Artes do Conhecimento" reúne encontro de opiniões em 49 entrevistas publicadas no Mais!

História imediata

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quarenta e nove entrevistas publicadas no caderno Mais! sobre ciência, filosofia, política e economia, antropologia e comportamento, e história são agora reunidas no livro "Artes do Conhecimento", segundo volume da série Memórias do Presente: 100 Entrevistas do Mais!". O primeiro tomo, "Conhecimento das Artes" foi lançado em maio deste ano e reuniu 51 entrevistas que abordavam cinema, literatura, crítica, artes plásticas, fotografia, teatro, música, dança, arquitetura e urbanismo com artistas e pensadores brasileiros e estrangeiros.
O que se encontra em "Artes do Conhecimento" são análises a quente que resistiram à queda da temperatura jornalística provocada pela passagem do tempo.
A queda do Muro de Berlim e os rumos da esquerda, a ditadura e a democracia no Brasil, a atitude politicamente correta e as políticas das minorias, o liberalismo globalizante e o estatismo nacionalista, é extensa a lista de assuntos que são tratados em minúcia nas entrevistas ao Mais!.
"Como foram feitas, em grande parte, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, muitas entrevistas abordam a relação entre o presidente e o intelectual", diz o organizador do livro, Adriano Schwartz, editor do Mais!.
O trabalho está longe de se deter em aspectos apenas conjunturais. Como nota Schwartz no prefácio, "a idéia de formação perpassa a maior parte dos depoimentos". Outra característica comum às entrevistas é a de estarem mais próximas da conversa ou da troca de idéias (o que permite digressões), do que propriamente das perguntas e respostas formais a que estamos acostumados a ler na imprensa.
A entrevista com o filósofo alemão Jurgen Habermas, que se estende por 30 páginas, é exemplo típico de um bate-papo erudito. Conduzida por Sergio Paulo Rouanet e Barbara Freitag, a conversa oscila entre a camaradagem e a sofisticação intelectual dos argumentos. Interessante é o debate sobre multiculturalismo, em que Habermas defende a possibilidade de coexistência de um sistema jurídico de caráter individualista e a "discriminação positiva", como o sistema de cotas.
A conversa solta, por vezes, leva a sínteses e definições a que o entrevistado, se estivesse escrevendo em vez de falando, não chegaria com igual espontaneidade. "A filosofia não se resume a uma trama de argumentos; é igualmente uma paixão", diz José Arthur Giannotti, autor que, considerado difícil ("ser filósofo ainda me parece consistir numa atividade de desarrumação"), é mais compreensível na versão oral.
Com frequência, as entrevistas são justapostas de modo a enfatizar a oposição entre pontos de vista. Assim, a de Celso Furtado é seguida da de Roberto Campos. O desenvolvimentista Furtado argumenta que o papel do Estado se esgotou só nos países mais ricos, onde uma certa homogeneidade social já foi alcançada. No Brasil, ao contrário, não houve esgotamento, mas interrupção ("a grande quebra se dá quando pára o desenvolvimento, nos anos 80").
A entrevista de Campos tem um registro mais ligeiro. O economista se permite compartilhar reminiscências ao falar da loira atriz americana Kim Novak, que frequentou sua casa. "Minha mulher é loira. A gente pode ser infiel a uma mulher, porém não a um tipo de mulher", disse. Frasista de talento, Campos também não é infiel às idéias. Era tão liberal que para ele até os liberais no Brasil não passavam de falsos liberais. "São liberais em política. Quando você passa para o lado econômico, são intervencionistas."
A diversidade de opiniões, marca das entrevistas do Mais!, pressupõe o pluralismo democrático, um dos assuntos do linguista americano Noam Chomsky. O pensador volta ao conceito aristotélico, por vezes esquecido, de que "uma democracia deve assegurar a prosperidade duradoura dos pobres, por meio da distribuição de verbas públicas". Como fica a democracia hoje, no Brasil ou nos Estados Unidos, julgada por esse critério? Diz Chomsky: "Os mecanismos formais da democracia existem, mas funcionam dentro dos limites estreitos traçados pelo poder privado".
A resposta revela um "pessimismo da razão", que Schwartz identifica como sendo o tom geral do livro, mas com uma ressalva: no fim das contas, o "otimismo da vontade" é invencível.


Oscar Pilagallo é jornalista e autor do livro "A Aventura do Dinheiro"

ARTES DO CONHECIMENTO. Organização: Adriano Schwartz. Editora: Publifolha. Preço: R$ 59 (525 págs.)


CONHECIMENTO DAS ARTES. Organização: Adriano Schwartz. Editora: Publifolha. Preço: R$ 59 (560 págs.)


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