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LIVROS
André du Rap, que esteve preso na Casa de Detenção e presenciou evento, lança obra escrita com jornalista Bruno Zeni
Sobrevivente relata massacre do Carandiru
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Deus dá uma página em branco todo dia", diz André du Rap.
Mais de 200 dessas páginas, André, 30, preencheu com a história
de como se tornou "Sobrevivente
André du Rap (do Massacre do
Carandiru)", título do livro que
assina em co-autoria com o jornalista Bruno Zeni, 27, e que os dois
lançam amanhã, em São Paulo,
pela Labortexto.
Sobrevivente, em primeiro lugar, do massacre. O evento, que
deixou 111 mortos, todos presos,
completa dez anos em 2 de outubro próximo -mesmo dia em
que André du Rap faz 31 anos.
O leitor é jogado de cara no testemunho feito por André do massacre -sem preâmbulos, sem explicações de como ele acabou parando na Casa de Detenção (presídio que faz parte do complexo
do Carandiru, na zona norte de
São Paulo, que está sendo desativado). O "antes" e também o "depois" vêm nas seções seguintes do
livro -e aí é possível ver que a
marca de sobrevivente se estende
também à existência do lado de cá
das grades.
Se a escrita do livro resulta quase que diretamente da fala de André -Zeni manteve o caráter oral
das várias entrevistas, cujas perguntas foram suprimidas, sobrando as respostas, como um só
depoimento-, a mão de jornalista do co-autor agiu fortemente ao
tirar, por exemplo, a ordenação
cronológica do relato.
"Eu fiz questão de colocar o
massacre, que seria o clímax, primeiro; porque acho que é forte e é
atual, mas também porque eu
acho que é a condição, a identidade dele: ele se considera o sobrevivente", diz Zeni.
Zeni conta que, para André, registrar sua memória do ocorrido
era "quase uma missão". Mas,
também para ele, recompor a história do massacre tinha um pouco
esse cunho: o silêncio em torno do
episódio o "incomodava", conta.
Autor de um livro de ficção ("O
Fluxo Silencioso das Máquinas",
lançado neste ano pela Ateliê Editorial), Zeni imaginava contar a
história de cada um dos 111 mortos em 1992.
Mudança de rumo
A idéia "megalomaníaca", como ele diz, se desfez quando, atrás
de um "bom começo", foi ao julgamento do coronel Ubiratan
Guimarães (comandante da ação
que resultou no massacre) tentar
contato com as famílias dos mortos, em junho do ano passado. Lá
conheceu André -que queria depor, mas não foi arrolado como
testemunha, e ansiava por contar
sua história. "A gente se deu
bem", resume o jornalista, que é
visto pelo ex-detento como um
"aliado" (leia texto nesta página).
Além dos depoimentos, constam do volume cartas escritas durante o período na prisão, que
além de serem o elo dos presos
com o mundo exterior, na opinião de Zeni têm um grande papel
narrativo.
"Essas cartas são o único lugar
no livro em que tem, de fato, a escrita dele; o resto é a nossa conversa. E acho que elas, de um jeito
um pouco desarrumado, com lacunas, conferem materialidade à
história dele. São o registro do que
ele sentia na época; o depoimento
é a memória dele, com tudo o que
ela tem de mais rico: a memória
refaz o que aconteceu e deixa
muita coisa de fora, não é? É inevitável."
SOBREVIVENTE ANDRÉ DU RAP (DO
MASSACRE DO CARANDIRU). De:
André du Rap e Bruno Zeni. Editora:
Labortexto (tel. 0/xx/11/3664-7500). 232
págs. R$ 24 (R$ 20 no lançamento, que
será amanhã, às 20h, no bar Canto
Madalena, r. Medeiros de Albuquerque,
471, tel. 0/xx/11/3813-6814).
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