São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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LIVROS

André du Rap, que esteve preso na Casa de Detenção e presenciou evento, lança obra escrita com jornalista Bruno Zeni

Sobrevivente relata massacre do Carandiru

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Deus dá uma página em branco todo dia", diz André du Rap. Mais de 200 dessas páginas, André, 30, preencheu com a história de como se tornou "Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru)", título do livro que assina em co-autoria com o jornalista Bruno Zeni, 27, e que os dois lançam amanhã, em São Paulo, pela Labortexto.
Sobrevivente, em primeiro lugar, do massacre. O evento, que deixou 111 mortos, todos presos, completa dez anos em 2 de outubro próximo -mesmo dia em que André du Rap faz 31 anos.
O leitor é jogado de cara no testemunho feito por André do massacre -sem preâmbulos, sem explicações de como ele acabou parando na Casa de Detenção (presídio que faz parte do complexo do Carandiru, na zona norte de São Paulo, que está sendo desativado). O "antes" e também o "depois" vêm nas seções seguintes do livro -e aí é possível ver que a marca de sobrevivente se estende também à existência do lado de cá das grades.
Se a escrita do livro resulta quase que diretamente da fala de André -Zeni manteve o caráter oral das várias entrevistas, cujas perguntas foram suprimidas, sobrando as respostas, como um só depoimento-, a mão de jornalista do co-autor agiu fortemente ao tirar, por exemplo, a ordenação cronológica do relato.
"Eu fiz questão de colocar o massacre, que seria o clímax, primeiro; porque acho que é forte e é atual, mas também porque eu acho que é a condição, a identidade dele: ele se considera o sobrevivente", diz Zeni.
Zeni conta que, para André, registrar sua memória do ocorrido era "quase uma missão". Mas, também para ele, recompor a história do massacre tinha um pouco esse cunho: o silêncio em torno do episódio o "incomodava", conta. Autor de um livro de ficção ("O Fluxo Silencioso das Máquinas", lançado neste ano pela Ateliê Editorial), Zeni imaginava contar a história de cada um dos 111 mortos em 1992.

Mudança de rumo
A idéia "megalomaníaca", como ele diz, se desfez quando, atrás de um "bom começo", foi ao julgamento do coronel Ubiratan Guimarães (comandante da ação que resultou no massacre) tentar contato com as famílias dos mortos, em junho do ano passado. Lá conheceu André -que queria depor, mas não foi arrolado como testemunha, e ansiava por contar sua história. "A gente se deu bem", resume o jornalista, que é visto pelo ex-detento como um "aliado" (leia texto nesta página).
Além dos depoimentos, constam do volume cartas escritas durante o período na prisão, que além de serem o elo dos presos com o mundo exterior, na opinião de Zeni têm um grande papel narrativo.
"Essas cartas são o único lugar no livro em que tem, de fato, a escrita dele; o resto é a nossa conversa. E acho que elas, de um jeito um pouco desarrumado, com lacunas, conferem materialidade à história dele. São o registro do que ele sentia na época; o depoimento é a memória dele, com tudo o que ela tem de mais rico: a memória refaz o que aconteceu e deixa muita coisa de fora, não é? É inevitável."


SOBREVIVENTE ANDRÉ DU RAP (DO MASSACRE DO CARANDIRU). De: André du Rap e Bruno Zeni. Editora: Labortexto (tel. 0/xx/11/3664-7500). 232 págs. R$ 24 (R$ 20 no lançamento, que será amanhã, às 20h, no bar Canto Madalena, r. Medeiros de Albuquerque, 471, tel. 0/xx/11/3813-6814).


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