São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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"Decidi fazer da experiência terrível algo bom"

CÉSAR ALVES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em 2 de outubro de 92, enquanto a tropa de choque da Polícia Militar entrava no complexo do Carandiru, José André de Araújo, então preso no pavilhão 9, completava 21 anos. Conseguiu sobreviver ao massacre escondendo-se sob os corpos dos companheiros mortos.
A necessidade de impedir que algo assim pudesse ser esquecido, fez com que André, hoje com Du Rap no nome, passasse a tomar nota de tudo que havia lhe ocorrido e se juntasse ao jornalista Bruno Zeni para escrever o livro que será lançado amanhã.

Folha - A que você atribui a sua sobrevivência ao massacre?
André -
Eu acho que Deus tem sempre um propósito na vida da gente. Para mim, ele acabou provando que a força dele era maior. Foi uma ação covarde. Naquele momento eu e muitos companheiros vivíamos um momento de incerteza enorme. Você não sabe se vai sobreviver.
Tive que me esconder embaixo dos corpos de companheiros mortos para sobreviver. Aí os policiais entraram perguntando se tinha alguém vivo lá. Se alguém desse sinal de vida, era morto na mesma hora. Eles passavam espetando os corpos com baioneta e pingando plástico de colchão queimado nos corpos para ver se tinha alguém vivo. Pode ver, tenho várias marcas de queimadura e cortes. Covardia pura. Os caras queriam ver se você estava vivo para poder acabar de matar.

Folha - Como surgiu a idéia de escrever o livro?
André -
Desde 94 eu vinha escrevendo letras de rap, poemas e essas coisas. Eu sempre fiz questão de colocar nas minhas letras o cotidiano do sistema penitenciário. Eu também li muito dentro da prisão. Mas eu já tinha decidido transformar aquela experiência terrível em algo bom. Eu já tinha meus sonhos e ideais.
Foi aí que eu conheci o pessoal da Pastoral Carcerária. Entre essas pessoas eu conheci duas irmãs, a Rita e a Paula. Elas começaram a me incentivar a colocar no papel o que eu passei lá dentro.

Folha - Foi difícil publicar o livro?
André -
Desde que eu comecei a escrever as primeiras páginas. Toda vez que rolava uma blitz na penitenciária, se os policiais encontrassem o que eu tinha escrito, eu já levava. Mas foi bom sair pela Labortexto, porque eles parecem estar interessados em mostrar este lado da sociedade e já tinham lançado o livro do Jocenir (autor de "Diário de um Detento: O Livro") e do Ferréz. Então me identifico com eles.

Folha - Quais são os seus próximos projetos?
André -
O meu maior sonho é poder montar uma casa de cultura na cidade onde eu moro, Suzano. Eu já tenho feito algumas correrias (ações) nesse sentido. A gente, inclusive, está montando a nossa própria ONG. Se Deus quiser, logo depois do lançamento do livro, já poderemos ter algumas novidades a esse respeito.



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