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"Decidi fazer da experiência terrível algo bom"
CÉSAR ALVES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em 2 de outubro de 92, enquanto a tropa de choque da Polícia
Militar entrava no complexo do
Carandiru, José André de Araújo,
então preso no pavilhão 9, completava 21 anos. Conseguiu sobreviver ao massacre escondendo-se
sob os corpos dos companheiros
mortos.
A necessidade de impedir que
algo assim pudesse ser esquecido,
fez com que André, hoje com Du
Rap no nome, passasse a tomar
nota de tudo que havia lhe ocorrido e se juntasse ao jornalista Bruno Zeni para escrever o livro que
será lançado amanhã.
Folha - A que você atribui a sua
sobrevivência ao massacre?
André - Eu acho que Deus tem
sempre um propósito na vida da
gente. Para mim, ele acabou provando que a força dele era maior.
Foi uma ação covarde. Naquele
momento eu e muitos companheiros vivíamos um momento
de incerteza enorme. Você não sabe se vai sobreviver.
Tive que me esconder embaixo
dos corpos de companheiros
mortos para sobreviver. Aí os policiais entraram perguntando se
tinha alguém vivo lá. Se alguém
desse sinal de vida, era morto na
mesma hora. Eles passavam espetando os corpos com baioneta e
pingando plástico de colchão
queimado nos corpos para ver se
tinha alguém vivo. Pode ver, tenho várias marcas de queimadura
e cortes. Covardia pura. Os caras
queriam ver se você estava vivo
para poder acabar de matar.
Folha - Como surgiu a idéia de escrever o livro?
André - Desde 94 eu vinha escrevendo letras de rap, poemas e essas coisas. Eu sempre fiz questão
de colocar nas minhas letras o cotidiano do sistema penitenciário.
Eu também li muito dentro da
prisão. Mas eu já tinha decidido
transformar aquela experiência
terrível em algo bom. Eu já tinha
meus sonhos e ideais.
Foi aí que eu conheci o pessoal
da Pastoral Carcerária. Entre essas pessoas eu conheci duas irmãs, a Rita e a Paula. Elas começaram a me incentivar a colocar no
papel o que eu passei lá dentro.
Folha - Foi difícil publicar o livro?
André - Desde que eu comecei a
escrever as primeiras páginas. Toda vez que rolava uma blitz na penitenciária, se os policiais encontrassem o que eu tinha escrito, eu
já levava. Mas foi bom sair pela
Labortexto, porque eles parecem
estar interessados em mostrar este lado da sociedade e já tinham
lançado o livro do Jocenir (autor
de "Diário de um Detento: O Livro") e do Ferréz. Então me identifico com eles.
Folha - Quais são os seus próximos projetos?
André - O meu maior sonho é
poder montar uma casa de cultura na cidade onde eu moro, Suzano. Eu já tenho feito algumas correrias (ações) nesse sentido. A
gente, inclusive, está montando a
nossa própria ONG. Se Deus quiser, logo depois do lançamento do
livro, já poderemos ter algumas
novidades a esse respeito.
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