São Paulo, quarta, 9 de setembro de 1998

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MÚSICA
"Desafio o gosto das pessoas', diz Ben Harper

Divulgação
O cantor e compositor Ben Harper, que toca no Free Jazz, em seu show no festival H.O.R.D.E., em Portland


PATRICIA DECIA
enviada especial a Portland (EUA)


O guitarrista, cantor e compositor californiano Ben Harper, 28, que se apresenta no Brasil durante o Free Jazz, faz música tentando conciliar dois conceitos: tradição e liberdade.
O primeiro está simbolizado na sua guitarra Weissenborn, instrumento acústico, de colo, feito nos anos 20. Com ela, Harper resgata raízes da música negra norte-americana, do blues de Robert Johnson ao hard rock de Jimi Hendrix.
Já a liberdade ele tenta conquistar fazendo discos diferentes entre si, procurando não se filiar exclusivamente a um estilo, querendo dizer a seu público que não é possível esperar uma continuidade.
"Desafiar o gosto musical das pessoas permitiu que eu seja capaz de fazer aquilo que quiser", afirmou em entrevista coletiva antes de seu show em Portland, no Oregon, parte do festival itinerante H.O.R.D.E. (leia texto ao lado).
Harper é o tipo de homem que acredita no "sonho americano" e que acha possível fazer música pop sem se render incondicionalmente à indústria do disco. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Pergunta - Como você se coloca perante à tradição da música norte-americana?
Ben Harper -
Gostaria de ser capaz de levar adiante a tradição da música que me influenciou e ao mesmo tempo estabelecer a minha própria tradição individual. Quero ser parte de uma herança musical, ser um elo nessa corrente, acrescentando minha própria voz.
Pergunta - O que acha dessa nova geração de cantores soul, como Maxwell e D'Angelo?
Harper -
D'Angelo é ótimo, muitos são uma porcaria. Você poderia trocar os cantores e os ritmos e ainda seriam as mesmas canções, mas D'Angelo é fantástico.
Pergunta - Vê uma identificação entre as suas letras e Bob Dylan, quando canta contra a opressão?
Harper -
Nem sei. Acho que expor a natureza dos sistemas sociais que funcionam contra as pessoas, trazer à luz o que fazem, é, em parte, mudá-los. É óbvio a quem eu me refiro, e não preciso ser específico sobre um país, porque a opressão não o é. Está em todo o mundo.
Pergunta - E que tipo de resposta você recebe de seus fãs?
Harper -
Primeiro de tudo, eu faço música, não sou um político. As pessoas respondem da maneira como sentem a música. Desafiar o gosto musical das pessoas permitiu que eu fosse capaz de fazer o que quiser. Para o próximo disco, percebi que tenho essa liberdade musical, não preciso soar apenas hard rock, ou folk, ou soul. Posso estender os limites ainda mais ao gravar.
Pergunta - Há fronteiras?
Harper -
Acho que não, isso é interessante. Haveria fronteiras se todos esperassem que eu lançasse um disco de rock ou de reggae. Eu estaria encurralado, então continuo misturando estilos diferentes.
Pergunta - Por que usa uma forma musical tão simples quando artistas estão usando tantos recursos tecnológicos?
Harper -
São definitivamente minhas raízes. Venho de um background de um certo tipo de som, de uma certa ideologia. Eu gosto de usar estilos mais antigos de gravação para atingir uma sonoridade nova hoje. Porque todo o resto está atrás do digital, então eu continuo analógico. Os estilos mais antigos de gravação tocam mais.
Pergunta - Você fez sucesso primeiro na Europa. Como acha que os americanos vêem seu trabalho?
Harper -
É, a Europa está sempre à frente, mas o disco parece estar indo bem aqui. Os EUA são um mercado inteiro, muito grande e difícil. O rádio e o vídeo são fragmentados. Dá muito trabalho, leva mais tempo. A não ser que você esteja pronto a seguir um formato amigável à imprensa, ao vídeo e a se encaixar nesse modelo simples. Eu tento não me envolver nisso. Faço música porque tenho de fazer, porque isso é o que mantém minha vida longe da tristeza, da infelicidade.
Pergunta - Há religiosidade na sua música?
Harper -
Não necessariamente. Não me filio a nenhuma crença. Acho que quando você é fanático sobre uma crença, está se privando de uma extraordinária quantidade de conhecimentos que está em outros lugares. Tento não fazer isso. Acredito em crenças diferentes, de maneiras diferentes. Porque elas falam para mim em partes diferentes da minha vida.
Pergunta - Você muda muito o show? E continua compondo durante a turnê?
Harper -
O show chegou a um lugar bastante confortável no último mês, mas ele cresce. Desde que o último disco saiu, venho compondo na estrada. Desde 94, na verdade, eu continuo na estrada. Vamos voltar para o estúdio em janeiro.
Pergunta - Gosta de fazer turnê?
Harper
- Adoro. Faço músicas para tocá-las ao vivo. Talvez em dez anos eu não esteja dizendo isso. A estrada não é um ambiente fácil para ficar concentrado, saudável. Mas, ao mesmo tempo, me preenche. Eu reclamo às vezes, mas é só autopiedade. Se estivesse me aborrecendo, não estaria fazendo. Não preciso do dinheiro tanto assim. E não estou nem próximo do meu melhor, tenho só 28 anos. Não quero ter esse grande disco e a partir daí só decadência.
Pergunta - O que é esse "melhor" que você quer atingir?
Harper
- Apenas coisas pequenas como paz mundial, a destruição de todas as armas nucleares (risos). Faço música, só quero escrever grandes canções em estilos diferentes. Quero compor músicas que sejam uma surpresa até para mim.
²


A jornalista Patricia Decia viajou a convite do Free Jazz/Souza Cruz


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