São Paulo, Quinta-feira, 09 de Setembro de 1999
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VENEZA
"Julien Donkey-boy", segundo filme dirigido pelo roteirista de "Kids", é exibido em mostra paralela
Korine leva Dogma ao cinema dos EUA

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza


Revelado aos 19 anos como roteirista de "Kids", Harmony Korine é tão petulante quanto talentoso. "Julien Donkey-boy", seu segundo filme como diretor, exibido na mostra paralela Cinema do Presente, levou o movimento Dogma 95 ao cinema americano.
Lançado por cineastas dinamarqueses em Cannes 98, o Dogma defende filmes realistas e livres de artifícios. Um de seus líderes, Lars von Trier, convidou Korine a rodar um filme "dogmático". O jovem cineasta não pestanejou em se converter.
"Julien" é o sexto filme a obter o certificado do Dogma. Como em "Festa de Família", concentra-se sobre uma família problemática. Seu protagonista é um jovem mentalmente perturbado, o esquizofrênico Julien (Ewen Bremner, de "Trainspotting"), como em "Os Idiotas" e "Mifune".
Apesar dos pesares, é Julien que ainda mantém a coesão familiar depois da morte da mãe. O pai é um nazistóide vivido por Werner Herzog. O irmão de Julien sonha em se tornar um profissional da luta livre. Sua irmã, interpretada por Chloe Sevigny, casada com Korine, não revela o nome de quem a engravidou. A revelação de que se tratou de uma relação incestuosa faz sentido no vale-tudo de seu universo.
Auxiliado pelo diretor de fotografia de "Festa", Anthony Dod Mantle, Korine explorou exaustivamente as possibilidades de trucagem na câmera estimuladas pelo Dogma. Rodando em vídeo e ampliando o material para 16 mm e depois para 35 mm, buscou a textura granulada das imagens caseiras em super-8. Algo repetitivo, apesar de durar apenas uma hora e meia, "Julien" é a produção do Dogma que mais ousa em experimentos com som e imagem.
De camiseta azul e calça cáqui, Korine, 25, falou sobre "Julien" a um grupo de cinco jornalistas no Hotel Des Bains, do Lido veneziano. Leia abaixo uma síntese das respostas que deu à Folha.

Folha - Por que a conversão ao Dogma?
Harmony Korine -
Dogma é uma ação de resgate do cinema, visando salvá-lo. É uma reação ao fracasso da novas ondas dos anos 60, um movimento romântico e burguês de "autorismo", com exceção de Godard. Todo mundo deveria fazer ao menos um filme seguindo o Dogma. É uma purificação por meio do cinema. Quis me tornar um cineasta graças aos filmes de Buster Keaton, Bresson, Godard, Fassbinder, Ozu, Dreyer. Esses cineastas foram substituídos por artificialidade.

Folha - É Dogma ou nada?
Korine -
Não, não penso assim. Acho que é o mais importante movimento desde a "nouvelle vague" dos anos 60. A cada momento, há apenas dois ou três diretores tentando empurrar a forma para frente ou fazer algo novo. Nos EUA, não tenho amigos entre os cineastas. Não sou um diretor independente, sou um cineasta comercial, faço filmes para as pessoas verem. É mais na linha do que faziam John Cassavetes e Sam Peckinpah do que dos atuais cineastas. Queria fazer esse filme antes de Lars (von Trier) e Thomas (Vinterberg) me telefonarem. Achei importante fazer parte deste momento particular.

Folha - Como foi rodar dentro das regras?
Korine -
Não havia um roteiro. Improvisamos a partir de cenas. Usei 13 câmeras por vez. Coloquei câmeras ocultas em todos os atores. Queria fazer um monte de coisas que não fizeram nos outros filmes do Dogma, mas tinha que fazê-las de maneira orgânica. Queria muita música, mas tinha que tocá-la nos bastidores. Tudo que é feito com a câmera rodando é permitido.

Folha - Qual dos filmes do Dogma é seu preferido?
Korine -
Prefiro "Festa de Família" como filme; cinematograficamente é o mais bem resolvido. Mas prefiro "Os Idiotas" como experiência.

Folha - Seu próximo filme seguirá o Dogma?
Korine -
Não, da mesma forma que não o seguem os novos filmes de Lars e Thomas, mas posso voltar ao Dogma para me purificar. Estou há três anos rodando "Fighting Harm", em que provoco as pessoas que encontro na rua.


O crítico Amir Labaki viajou a convite da organização do festival.


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