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LITERATURA
Riso e pranto pelejam em oratórias
REYNALDO JARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
A um autêntico, competente e
erudito ensaio que abre "As
Lágrimas de Heráclito", do padre
Antonio Vieira, a mestra Sonia
Netto Salomão intitula, modestamente, de introdução. São 90 páginas em que são analisados e historiados os cenários e bastidores
da peleja entre Vieira e Girolamo
Cattaneo, esgrimistas ladinos e
cheios de manhas dialéticas.
As razões que levaram a editora
a não informar na capa do volume que, além da oração de Vieira,
está presente o trabalho de Cattaneo são enigmáticas. Também
não custava nada ter um texto,
mesmo que breve, sobre Heráclito e Demócrito, para mostrar que
nem o primeiro era simplesmente
um bebê chorão nem o segundo
era um pândego gaiato.
A proposição da Academia Real
de Roma demonstra que a sereníssima Cristina, rainha da Suécia
em Roma, a nobreza, os clérigos e
os acadêmicos estavam a fim era
de uma erudita demonstração de
oratória: "O que seria mais razoável, se o riso de Demócrito, que de
tudo zombava, ou o pranto de
Heráclito, que por tudo chorava".
Qualquer que fosse o mote entregue a Vieira, ele o glosaria com
argúcia e astúcia, já demonstradas
em palestras e sermões de assuntos mais complexos e instigantes.
Esse "razoável" da proposição é
descabido, como são descabidos
os "tudos" com que se reduz a importância de ambos pensadores.
Circo armado, para deleite de
uma platéia ociosa, Vieira e Cattaneo dão o esperado show de malabarismo retórico. E sob aplausos retiram-se do picadeiro.
Sonia Netto Salomão demonstrou, mais uma vez, sua reconhecida autoridade. Pena que nos dê
de presente uma peça de Vieira
que nada acrescenta à sua obra
magnífica e indispensável.
Em todo caso, qualquer que seja
o texto de Vieira, é proveitoso
participar de sua aventura linguística, virtuosa e bela. Devemos
sempre agradecer o famoso estalo
que o transformou em um gênio.
A erudita introdução nos remete ao Santo Ofício, com seu processo inquisitorial, e nos leva à reflexão sobre a perniciosidade que
o fanatismo religioso vem causando à humanidade.
Os fundamentalistas de hoje repetem a ação da igreja no mesmo
caráter cruel e intransigente dos
tempos de Vieira, que, condenado por heresia judaizante, penou
nas masmorras de Coimbra, de
onde saiu proibido de abrir o bico
no púlpito. A ação que o Taleban
desempenha agora contra os judeus, bisando o nazismo, não difere da caça do Santo Ofício.
Vieira foi um incansável trabalhador intelectual, escrevendo até
os últimos dias de sua vida, quando já estava surdo, cego e com a
mão direita paralisada.
Reynaldo Jardim é poeta e jornalista
As Lágrimas de Heráclito
Autor: padre Antonio Vieira
Fixação: Sonia Netto Salomão
Lançamento: 34
Quanto: R$ 25 (208 págs.)
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