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FERNANDO GABEIRA
Avedon, um mestre do século 20
Dois mestres do século 20 desaparecem num curto espaço de tempo: Henri Cartier-Bresson e Richard Avedon. Este último foi também um fotógrafo de
moda e, como a moda teve um
grande papel no capitalismo moderno, muitas lembranças se concentraram no tema.
No entanto Richard Avedon foi
um grande mestre do retrato,
enriquecendo a tradição norte-americana do gênero. Suas fotos
falavam alguma coisa sobre o
modelo e, na verdade, falavam alguma coisa em convergência com
o modelo. O retrato de Chaplin
erguendo os dedos sobre a cabeça,
como se fosse o Diabo, era uma
clara mensagem às autoridades
americanas sobre a intolerância
com que tratavam o gênio do cinema.
Talvez seja por essa nova relação com o retrato, marcando um
papel do olhar do fotógrafo, que
Henry Kissinger tenha dito para
Avedon no momento em que fitava a lente: "Tenha piedade de
mim".
Alguns fotógrafos americanos
foram também grandes intérpretes do país. Walker Evans, por
exemplo, pago pelo governo, viajou pelo interior fotografando
gente pobre na dignidade de sua
luta pela sobrevivência. Evans
viajava com um dos mais fulgurantes talentos da literatura americana, James Agee, e os dois juntos fizeram um livro histórico para elogiar o homem comum.
Naquele momento de depressão, era importante levantar o astral. Richard Avedon percorreu 17
Estados fotografando seu país. O
resultado de seu trabalho foi considerado pessimista. Mas a América já se sentia o país mais bem-sucedido do mundo. Não se tratava de levantar o astral, mas de
trazer uma ponta de realidade
para o sonho americano.
Talvez mais pessimista que
Evans, Avedon, que estudou com
o lendário diretor de artes Alexey
Brodovitch, fez um longo trabalho sobre manicômios, relacionando-os com o Vietnã, pois, na
sua opinião, a guerra era uma espécie de continuidade da loucura
americana. Também mergulhou
na agonia de seu pai, Jacob Israel
Avedon. Saiu dali com uma série
que não apenas registrava a decadência gradual de uma forte personalidade mas resgatava para
ele as lembranças dos gestos e expressões de um ente querido.
Por toda a sua contribuição às
revistas de moda e a influência
que exerceu sobre a nova geração,
é razoável que Richard Avedon
seja associado ao tema. A idéia de
tirar os modelos dos estúdios foi
uma ruptura, consagrada com a
foto da modelo Davima entre os
elefantes, tirada no Circo de Inverno de Paris, em 1955.
Mas sua passagem pela Europa
foi marcada por uma série de ensaios com meninos de rua da Itália. O trabalho chegou a ser exposto, assim como o que fez sobre
os loucos no Lousiana State Hospital e depois com as vítimas do
napalm no Vietnã.
Ele só não avançou nessa trilha
por uma definição filosófica:
achava que as fotos de violência
contribuíam para aumentar a
violência.
O último retrato feito por Avedon foi publicado na semana passada pela revista "New Yorker". O
modelo é Teresa Heinz Kerry,
mulher do candidato à Presidência. Muitos, com o sucesso das fotos de exterior, pensam que Avedon continuou nessa trilha.
A sensação que tenho é que optou por um fundo branco para
ressaltar a pureza dos movimentos de seus modelos. Ele mesmo,
num certo momento, desabafou:
"Como perseguir a luz natural, se
vivemos entre Hiltons, aeroportos
e coquetéis?". Para ele, a luz natural era como a infância, uma bela
lembrança.
A conclusão a que chego é que
os grandes fotógrafos de moda
são, nos EUA, grandes fotógrafos
em quase todas as áreas. Está aí,
com 87 anos, Irving Penn, que
também começou na "Vogue" e
construiu uma obra de importância mundial.
A fotografia é um momento de
esplendor da cultura norte-americana. Avedon, um mestre do século 20, teve em quem se inspirar,
se pensamos em Paul Strand e
Walker Evans, para falar apenas
de dois.
Num nível mais modesto do que
americana e talvez a mexicana, a
fotografia brasileira deu inúmeros passos. Temos, entre outros,
um mestre em preto-e-branco, Sebastião Salgado, e um mestre em
cores, Miguel Rio Branco.
Um obstáculo para o progresso
fomos nós, editores de jornais e
revistas, nas décadas anteriores.
Com uma cultura tipicamente literária, sempre entendemos a foto como uma ilustração; éramos
adversários da autonomia da
imagem.
Outro obstáculo é a dificuldade
de reconhecer a fotografia como
uma atividade cultural. Faz tempo que insisto com amigos cearenses para fazerem uma espécie
de museu da fotografia do Ceará.
Eles gostam dos fotógrafos, tanto
que deram a uma avenida o nome de Luciano Carneiro. Mas
ainda não cultivam a foto como
um trunfo da cultura local. Isso
tudo pode mudar: a editora Cosac
& Naify, por exemplo, está lançando um livro sobre a história
da fotografia moderna no Brasil.
Truman Capote dizia que Avedon tinha o dom do olhar. Cartier-Bresson também o tinha.
Num momento em que a fotografia vive a revolução digital e milhões de pessoas no mundo se dedicam a ela, fica sempre uma interrogação no ar. Esse fenômeno
vai estimular ou inibir a aparição
de grandes mestres? Já temos as
câmeras onde tudo pode ser feito
automaticamente. Ficam faltando apenas o talento e a cultura
plástica dos grandes artistas, que,
aos poucos, deixam a cena.
Que o novo século tenha algo
como os anos 60 do século 20 e alguém para eternizá-lo como Richard Avedon.
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