|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
livros
CRÍTICA ROMANCE
"Sartoris" prova densidade de Faulkner
Livro iniciou a saga ambientada no condado semifictício de Yoknapatawpha que marcaria a obra do escritor
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Tudo começou com "Sartoris".
Lançado agora no Brasil, o
romance é o primeiro de William Faulkner (1897-1962) a
se passar no condado semifictício de Yoknapatawpha,
cenário de suas maiores
obras.
Em "Sartoris" (1929), o
enredo -vamos chamá-lo
assim- trata principalmente
da decadência de uma família sulista, os Sartoris, do
Mississippi.
Dessa antes poderosa linhagem de militares e banqueiros, restam quatro pessoas. O patriarca Bayard, conhecido por Bayard Velho.
Uma tia dele, a mordaz octogenária Jenny. E dois netos
de Bayard Velho, os gêmeos
John e Bayard.
Esses dois últimos são
convocados como aviadores
para a Primeira Guerra (assim como Faulkner na vida
real). Mas só Bayard volta vivo. Ele viu o irmão morrer em
combate e não se livra do fantasma. De volta ao Mississippi, dedica-se obsessivamente
à autodestruição.
Sobre os Sartoris vivos,
paira a sombra inclemente
de uma legenda sulista -o
coronel John Sartoris (pai de
Bayard Velho), combatente
valoroso da Guerra de Secessão (1861-65).
Ainda que "Sartoris" seja
apenas um marco iniciático
na obra de William Faulkner,
a narrativa é bastante densa.
Verdade que não há saltos
de tempo bruscos e mudanças repentinas de narrador,
como em seu livro maior, "O
Som e a Fúria".
Mas a profusão de personagens, a complexidade de
laços familiares, as descrições obsessivas e labirínticas-tudo tão característico
de Faulkner- aparecem com
toda a força.
Nada menos que três personagens se chamam John
Sartoris (dois deles mortos, o
que para Faulkner não faz
muita diferença).
Outros três, Bayard Sartoris (dois vivos, um morto). A
própria orelha do livro traz
uma informação errada: diz
que os gêmeos John e Bayard
são netos do coronel John
Sartoris. Na verdade, são bisnetos.
Assim como as dificuldades narrativas, os grandes temas de Faulkner também
marcam "Sartoris".
A saber: a transição do Sul
pós-escravocrata para a realidade industrial; as relações
contraditórias entre brancos
e negros (aceitos na intimidade dos brancos, mas ainda
tratados como sub-raça); a
sordidez dos segredos familiares (há uma forte sugestão
de incesto entre os irmãos de
uma família próxima aos Sartoris); e o peso insuportável
do legado de antepassados
ilustres sobre os clãs em decadência.
A tradução é empreitada
quase impossível. Como
transpor para o português
contemporâneo o vocabulário e a prosódia de brancos e
negros do sul dos EUA, na virada do século 19 para o 20?
O tradutor opta por uma
espécie de português caipira
de novela das seis. Os negros
usam "sinhá" e "sinhô". Já os
brancos se tratam pelo moderno "você". E aqui não vai
uma crítica. Não parece mesmo haver opção viável.
SARTORIS
AUTOR William Faulkner
TRADUÇÃO Claudio Alves
Marcondes
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 75 (págs. 416).
AVALIAÇÃO bom
Texto Anterior: Crítica/Romance: Nabokov estreia no inglês com ironia autorreferencial Próximo Texto: Crítica/Romance: Reif Larsen diverte e comove com saga brilhante sobre pequeno gênio solitário Índice | Comunicar Erros
|