São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2010

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livros

CRÍTICA ROMANCE

"Sartoris" prova densidade de Faulkner

Livro iniciou a saga ambientada no condado semifictício de Yoknapatawpha que marcaria a obra do escritor

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Tudo começou com "Sartoris". Lançado agora no Brasil, o romance é o primeiro de William Faulkner (1897-1962) a se passar no condado semifictício de Yoknapatawpha, cenário de suas maiores obras.
Em "Sartoris" (1929), o enredo -vamos chamá-lo assim- trata principalmente da decadência de uma família sulista, os Sartoris, do Mississippi.
Dessa antes poderosa linhagem de militares e banqueiros, restam quatro pessoas. O patriarca Bayard, conhecido por Bayard Velho. Uma tia dele, a mordaz octogenária Jenny. E dois netos de Bayard Velho, os gêmeos John e Bayard.
Esses dois últimos são convocados como aviadores para a Primeira Guerra (assim como Faulkner na vida real). Mas só Bayard volta vivo. Ele viu o irmão morrer em combate e não se livra do fantasma. De volta ao Mississippi, dedica-se obsessivamente à autodestruição.
Sobre os Sartoris vivos, paira a sombra inclemente de uma legenda sulista -o coronel John Sartoris (pai de Bayard Velho), combatente valoroso da Guerra de Secessão (1861-65).
Ainda que "Sartoris" seja apenas um marco iniciático na obra de William Faulkner, a narrativa é bastante densa.
Verdade que não há saltos de tempo bruscos e mudanças repentinas de narrador, como em seu livro maior, "O Som e a Fúria".
Mas a profusão de personagens, a complexidade de laços familiares, as descrições obsessivas e labirínticas-tudo tão característico de Faulkner- aparecem com toda a força.
Nada menos que três personagens se chamam John Sartoris (dois deles mortos, o que para Faulkner não faz muita diferença). Outros três, Bayard Sartoris (dois vivos, um morto). A própria orelha do livro traz uma informação errada: diz que os gêmeos John e Bayard são netos do coronel John Sartoris. Na verdade, são bisnetos. Assim como as dificuldades narrativas, os grandes temas de Faulkner também marcam "Sartoris".
A saber: a transição do Sul pós-escravocrata para a realidade industrial; as relações contraditórias entre brancos e negros (aceitos na intimidade dos brancos, mas ainda tratados como sub-raça); a sordidez dos segredos familiares (há uma forte sugestão de incesto entre os irmãos de uma família próxima aos Sartoris); e o peso insuportável do legado de antepassados ilustres sobre os clãs em decadência.
A tradução é empreitada quase impossível. Como transpor para o português contemporâneo o vocabulário e a prosódia de brancos e negros do sul dos EUA, na virada do século 19 para o 20?
O tradutor opta por uma espécie de português caipira de novela das seis. Os negros usam "sinhá" e "sinhô". Já os brancos se tratam pelo moderno "você". E aqui não vai uma crítica. Não parece mesmo haver opção viável.


SARTORIS

AUTOR William Faulkner
TRADUÇÃO Claudio Alves Marcondes
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 75 (págs. 416).
AVALIAÇÃO bom



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