São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2010

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CRÍTICA POLICIAL

Drama realista e filosófico ecoa mestres da literatura nórdica

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quase inédita no Brasil, a literatura nórdica tem em Per Petterson um de seus trunfos recentes.
Muito além dos policiais que deixam manchas sanguinolentas nas cabeceiras de leitores, "Cavalos Roubados" é um drama realista que planteia certo tom filosófico e misterioso.
Sua contenção narrativa ecoa mestres noruegueses ainda por serem traduzidos, como Kjell Askildsen, Dag Solstad e Kjartan Flogstad.
Em busca de tranquilidade e solidão após perder a mulher num acidente, Trond Sonder, um homem de 67 anos, muda-se para região inóspita da Noruega próxima à fronteira com a Suécia.
Na propriedade rural, ao reencontrar na vizinhança um conhecido do passado, entretanto, Trond começa a ruminar eventos ocorridos num longínquo verão em que passou férias com o pai ali.
Lars, o vizinho, atingiu na infância o irmão com um disparo acidental e permite a Trond recordar eventos quase esquecidos. Os cavalos roubados em companhia do amigo Jon. A participação do pai na resistência aos nazistas junto de outro vizinho e da mãe do infeliz amigo.
O transporte de troncos pelo rio usado como disfarce para tais atividades. A natureza do relacionamento entre seu pai e a mãe de Lars. A mãe de Lars. A volúpia.
Sob a capa de uma série de pequenas glórias e derrotas, como a morte trágica do gêmeo de Lars, há outros traumas menos brutais, porém igualmente marcantes, que não podem ser adiantados nesta resenha, mas que alimentam a toada reflexiva da história até seu triste final.
Em certo momento, a filha de Trond cita a frase que abre "David Copperfield", de Charles Dickens: "Se serei o herói de minha própria vida ou se esse lugar será ocupado por outra pessoa, estas páginas mostrarão".
A citação não é casual. Apoiado no andamento vagaroso de lembranças que surgem aos poucos, caóticas a ponto de exigirem do leitor algumas releituras de trechos para conferência, Petterson reconstrói com vigor o final da puberdade e a somatória de tristezas de que um adulto é composto.
"Cavalos Roubados" é desses livros cujo sentido nunca fica exatamente claro à primeira vista. Seus eventos, ocultos pela bruma da floresta norueguesa, às vezes se mostram e às vezes não. Existem ocasiões em que a voz da experiência parece não ter nada a dizer.


JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Cia. das Letras)

CAVALOS ROUBADOS

AUTOR Per Petterson
TRADUÇÃO Kristin Lie Garrubo
EDITORA Grua Livros
QUANTO R$ 32,90 (252 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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