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CINEMA/ESTRÉIA
Com o longa "Caramuru", diretor tenta repetir sucesso de "O Auto da Compadecida"
E Guel criou um Brasil
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Rigor histórico certamente não
foi a maior preocupação de Guel
Arraes, 47, ao transpor a série "A
Invenção do Brasil", exibida pela
Globo no ano passado, para a tela
grande, em "Caramuru".
Guel já inventara um Brasil bem
particular no programa, que homenageava os 500 anos do país,
com tupinambás vestindo minitrajes feitos de coco e plumas e falando uma língua que remontava
ao modernista Mário de Andrade.
O programa usava a história de
Diogo Álvares -e de como o português se tornaria Caramuru após
seu enleio com as irmãs índias Paraguaçu e Moema- como mote
para trechos documentais, introduzidos por Marco Nanini.
Na passagem, o diretor manteve
a parceria com Jorge Furtado
("Ilha das Flores", 89) no roteiro.
Desde o começo, explica Guel à
Folha, a caminho da pré-estréia
paulistana de "Caramuru", a dupla já queria fazer a atração televisiva trilhar o mesmo caminho de
"O Auto da Compadecida"
-que, saindo da TV, virou sucesso de bilheteria, com 2,161 milhões de espectadores.
O sucesso da empreitada anterior, diz Guel, não abriu um caminho natural para "Caramuru".
Mas, por outro lado, repetir a trilha reforça a imagem do diretor
como um "paladino" na tentativa
de provar que, se não são irmãs
gêmeas, telinha e telona têm
"uma fronteira comum".
"Levar os dois trabalhos da TV
para o cinema, para mim, é quase
para mostrar que não é o fato de
fazer cinema que muda. Eu não
faria o "Auto" diferente se fosse
primeiro para cinema. Eu sei fazer
assim. Esse gesto é meio para provar: já era um filme, vocês não estavam prestando atenção."
Mas faz uma ressalva: o descompromisso com que se vê TV
acaba atrapalhando a percepção
que ele defende.
"A maneira de olhar é diferente.
Depois do "Auto", pessoas que
gostaram muito, espantadas com
aquilo, vinham comentar. Eu dizia: "Mas não é inédito, passou na
televisão, não viu?'; elas diziam:
"Vi, mas não é a mesma coisa". E é
a mesma coisa. O envolvimento
do espectador muda a esse ponto.
Eu ficava revoltado. A maneira de
ver muda e muda quase a obra."
Se em "Auto", porém, foi feita
somente uma nova edição para o
material televisivo, "Caramuru"
exigiu toda uma reelaboração.
Numa primeira concepção do diretor, o narrador (Nanini) interromperia o filme com comentários sobre a história dos personagens. Mas, ainda que Guel defenda a semelhança entre os meios, a
diferença se impôs.
"O que aconteceu um pouco é
que aquilo ficava parecendo televisão." Justamente, explica, porque o público televisivo está habituado a ser interrompido -por
um repórter, pelos comerciais-,
o que não acontece no cinema.
Limar do filme o caráter "didático", deixando só a comédia romântica transcultural, distanciou
o programa da idéia de "produção de época".
"Quando você faz uma história
de época, tem de trazer um pouco
da informação, mas, ao mesmo
tempo, trazer o que continua a interessar hoje, porque senão é fazer
um negócio morto. Toda história
de época é uma história da nossa
época", acredita.
No caso, a intenção foi "dar um
frescor diferente a uma discussão
ainda nova": achar de onde vem,
senão a espontaneidade sexual
brasileira, "pelo menos a fantasia"
que a difunde.
Tirar a parte documental corresponde ainda a outra preocupação: garantir-se quanto ao público. "Não é todo ano que a gente
faz 500 anos. Tinha uma emoção
que justificava que o povo quisesse prestar atenção àquilo. Mas assim, batidão, no cinema, fora de
época, seria arriscar demais."
A frase denota a atitude pragmática do diretor, que não se qualifica como cineasta. Não faria cinema -só cinema, sem TV antes? "Acho que sim. Mas gostaria
que passasse na TV." Não gostaria de fazer algo "experimental",
"para um público amante do cinema". "Como até agora me interesso mais por essa faixa que é em
cima do muro, quero fazer um filme que seja popular. Essa pergunta é constante, mas para mim não
faz muito sentido."
E encoraja seus colegas a seguirem seu exemplo. "Acho que, no
Brasil, essa relação [TV-cinema"
precisa achar um jeito diferente
de se estabelecer, que não é o mesmo da França, da Itália, onde o cinema preexiste e tem um prestígio cultural enorme. Brasileiro
adora a televisão brasileira."
Seu jeitinho -ou "volta", como
diz- seria, então, o modo melhor de fazer com que a TV no
Brasil possa funcionar como fomento para o cinema?
"Acho que é pelo menos mais
uma maneira. Boa parte dos novos diretores de cinema já fizeram
TV, fazem comercial. Eles já fizeram ou estão muito próximos de
fazer trabalhos de duplo uso. Como fiz da televisão para o cinema,
eles podem fazer do cinema para
a televisão."
E completa: "A batalha política
tem de existir, ela existe. Mas eu
não vou ficar a minha vida esperando uma lei pela qual a TV vá
dar dinheiro para eu poder fazer
cinema".
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