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DRAUZIO VARELLA
A genética da dor
A resistência à dor tem sido atribuída a valores psicológicos, mas a genética contesta isso
AQUI, AS mulheres gritam. Não
se assustem, quase sempre é
alarme falso. Mas quando
uma japonesa gemer, corram, senão
nasce na cama.
A recomendação era feita com ar
grave pelo obstetra-chefe dos movimentados plantões das quintas-feiras, no Hospital Pérola Byington,
nos meus tempos de estudante. Na
experiência dele, não eram poucas
as mulheres latinas que já começavam o escândalo às primeiras dores
do parto, enquanto as orientais suportavam-nas com estoicismo até o
período expulsivo.
Tradicionalmente, a resistência à
dor tem sido atribuída exclusivamente a valores psicológicos e sócio-culturais, mas a genética moderna
começa a contestar esse dogma: haveria genes que predispõem seus
portadores a desenvolver quadros
de dores crônicas?
O estudo das chamadas dores em
membros fantasmas lançou as bases
para esclarecer o papel dos genes na
resistência à dor.
Dores fantasmas são referidas
com freqüência em membros amputados. Os pacientes as descrevem
como sensação de ardência, queimação, formigamento e ferroadas
nas diversas partes do membro que
não existe mais. No passado, a explicação mais aceita para essa extravagância biológica vinha da psicologia:
amputados assintomáticos seriam
pessoas dotadas da capacidade de
aceitar a perda do membro, enquanto as outras passariam o resto da vida revoltadas com a ausência dele.
Em 1990, um experimento realizado em ratos sugeriu, pela primeira
vez, que a sensibilidade à dor tivesse
um componente genético. Marshall
Devor, da Universidade Hebraica,
de Jerusalém, estudando ratos que
tiveram traumatismos em nervos
das pernas, verificou que alguns animais reagiam mais intensamente,
esfregando a pata e levando a boca
ao local traumatizado, enquanto outros davam menos demonstração de
sentir dor. E o mais interessante: os
filhotes desses animais, quando submetidos a estímulos dolorosos, tendiam a apresentar reações semelhantes às dos pais.
Pesquisas posteriores permitiram
a publicação na revista "Nature Medicine" de uma pequena lista de genes recém-descobertos provavelmente envolvidos no mecanismo da
dor.
Mitchell Max e colaboradores, nos
Estados Unidos, acompanharam
durante dois anos um grupo de 147
pessoas submetidas a cirurgia na coluna para aliviar dores nas pernas
provocadas por hérnias de disco. A
cada três meses, os participantes
respondiam a um questionário em
que avaliavam o nível de dor que
sentiam. Paralelamente, três genes
associados aos mecanismos da dor
eram seqüenciados em cada participante, para estudar possíveis relações entre as características genéticas e a intensidade da dor referida.
Dos três genes, um (GCH1) mostrou relação nítida com os níveis de
dor. Os pacientes que apresentavam
duas cópias do referido gene - uma
herdada da mãe, outra do pai - referiam muito menos dores do que os
portadores de uma só cópia; e esses,
menos dores ainda do que os pacientes não-portadores desse gene.
Genes como o GCH1, que parecem interferir com a excitabilidade
dos neurônios, têm sido estudados
em doenças raras como uma síndrome de dor neuropática familiar, na
qual as pessoas afetadas apresentam
dores lancinantes nas mãos e nos
pés quando os expõem ao calor,
acompanhadas de anormalidades
vasculares que tornam as extremidades desses membros avermelhadas. Situações mais freqüentes, como a neuralgia facial, que provoca
dores (muito fortes e de curta duração) em fisgada na face, também
têm sido analisadas.
Apesar dos avanços dos últimos
anos, identificar os genes relacionados à suscetibilidade à dor é tarefa
de alta complexidade, porque dor é
um sintoma comum a grande número de lesões e de disfunções do sistema nervoso: a dor ciática tem características muito diversas da dor de
dente ou daquela provocada por
queimadura. Além disso, não resta
dúvida de que fatores ambientais,
psicológicos e culturais interferem
sobre a maneira individual de avaliar a intensidade e de reagir ao quadro de dor.
Mesmo assim, a identificação dos
genes envolvidos na condução dos
estímulos dolorosos através dos
neurônios tem sido perseguida nos
últimos anos, pois permitirá individualizar o uso de analgésicos e antiinflamatórios de acordo com as características pessoais, além de identificar portadores de genes que representam fatores de risco para desenvolver dores persistentes depois
de cirurgias, traumatismos ou aquelas associadas a doenças crônicas.
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