São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 1998.




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Um espetáculo histórico

FERNANDO PEIXOTO
especial para a Folha

A montagem de "A Vida de Galileu", de Brecht, com o título de "Galileu Galilei", foi um momento marcante para o Oficina.
Significou coerência e amadurecimento artístico e ideológico do grupo, mas também acentuou profundas divergências internas.
Por trás de tudo, uma questão essencial: José Celso Martinez Corrêa sentia o impulso de avançar na linguagem cênica de "Roda Viva", enquanto Renato Borghi e eu queríamos aprofundar a narrativa criativa, sem o risco de assumirmos apenas uma postura anárquica e irracional.
Passamos a defender a necessidade histórica de incorporar Brecht ao nosso repertório.
Insistimos em "Galileu" como retomada de uma postura crítica racional e consequente. Zé Celso estava em dúvida, mas se decidiu por "Galileu" quando o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) invadiu o Ruth Escobar e agrediu o elenco de "Roda Viva".
Agravam-se os problemas internos. Os jovens atores dividem o elenco entre "marginália", eles, e os que têm papéis principais, chamados de "representativos".
Mas a verdade é que tudo isso, milagrosamente, não prejudicou a força estética e política do espetáculo. O ensaio geral, assistido pela censura, foi realizado na noite de 13 de dezembro de 1968, dia da proclamação do AI-5.
Estávamos nos bastidores, alguns de nós, durante o espetáculo, quando escutamos a notícia por um pequeno rádio. Organizando uma narrativa que mesclava o racional com o irracional, nosso "Galileu" provocava uma reflexão intensa no público.
Hoje, 30 anos depois da estréia do Oficina, não mais estamos envolvidos no cotidiano de repressão, mas "Galileu", cem anos após o nascimento de Brecht, mantém sua atualidade, seu vigor poético e sua coerência política.
A peça situa o intelectual diante da repressão, mas mergulha numa análise reveladora e profunda do significado do comportamento ético e social do homem, os compromissos com a verdade e a moral, discute o problema do herói e coloca em questão também o significado da traição.
Quando o discípulo do grande cientista diz a ele que é infeliz o país que não tem heróis, Galileu responde: "Não! Infeliz o país que tem necessidade de heróis!"



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