|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
comentário
A arte pode reinventar e reparar tudo
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Alguém entendido em
"cinemão" diria que "Desejo e Reparação" apela
para recursos fáceis de
dramaturgia. Que o protagonista, num parque de diversões devastado pela
guerra, atinge as vísceras
de qualquer um: grandiloqüência, desespero. Mas
não sou especialista.
Talvez só goste de histórias. E, nesse sentido, o filme é brilhante. Ele é exatamente sobre o que a história e a literatura são capazes de fazer.
Uma garota fantasiosa,
Briony, com olhos que
vêem mais a fantasia do
que a realidade (e, afinal, o
que é isso?), é capaz de arruinar a vida das pessoas
que mais ama. Por imaginação, amor e medo, coisas muito próximas e, até,
indiferenciáveis.
A história é adaptada do
livro homônimo de Ian
McEwan, e o filme é produzido por ele próprio. Na
narrativa, a fantasia, mesmo que de um modo ingênuo, provoca o mal, e a
idéia mais difícil é a da reparação.
Melanie Klein, em
"Amor, Ódio e Reparação", mostra que a última é
uma das práticas mais dignas de um indivíduo. A reparação é um arrependimento ativo, que requer
mergulho no cerne do vazio, para poder retratar o
estrago.
Nem todos são capazes
de reparar; é preciso coragem, mais do que para provocar o sofrimento.
A questão do filme é: se
um escritor pode tudo, como Deus, de que vale sua
tentativa de reparação?
"Não há reparação possível para Deus nem para os
romancistas, nem mesmo
para os romancistas
ateus." É o que diz Briony
no final de sua vida, na interpretação inacreditável
de Vanessa Redgrave, o
que faz valer o filme, mesmo para os especialistas.
Como a arte pode reparar tudo, pois inventa a
realidade, talvez ela não
seja capaz de reparar nada.
Não posso concordar
com isso. Mesmo que as
vítimas não se beneficiem
da reparação do artista,
nós, espectadores catárticos, teremos nosso terror
e nossa piedade, prontos
para possíveis reparações.
Texto Anterior: "Reparação" tem bênção de seu autor Próximo Texto: Crítica: Diretor usa formas clássicas para fazer cinemão dos bons Índice
|