São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

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"JOHNNY & JUNE"

Johnny Cash vive o fantasma da vez

CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um grande artista. Uma infância difícil. Um trauma com a morte do irmão. Um casamento fracassado. Uma temporada no inferno das drogas. Uma redenção nos braços da amada. Estamos falando da reestréia de "Ray"?
Não. O fantasma da vez é outro. Mas o esqueleto é o mesmo. Sai Ray Charles, entra Johnny Cash, e está pronta a receita de "Johnny & June". O filme retrata o calvário do ídolo country, da infância pobre à ascensão, aqui temperado pela paixão difícil de acontecer ao lado da espevitada June Carter.
Não se trata de um mau filme, já que todas as habilidades hollywoodianas estão postas a serviço para bem azeitar a máquina: um roteiro concentrado, uma reconstituição de época impecável, atores no limite da reencarnação, tudo, tudo funciona (alguns vão se incomodar com o esforço de Joaquin Phoenix para devolver a singularidade vocal de Cash, mas o resultado não chega a comprometer).

Cara de Cristo
O problema está mesmo no formato quadradão do biopic. O filme biográfico ganhou desde as origens do cinema o status de um gênero particular. A lista é interminável, e, por mais que vidas reais possam ter sido cheias de peripécias emocionantes, quando transportados para as telas esses heróis acabam todos com a mesma cara de Cristo. Este aliás é o paradigma do biopic, com seu relato à base de revelação, martírio e redenção.
Mas não é a garantia de retorno espiritual que alimenta o interesse dos produtores ao apostarem no biopic. Junto do filme chega um revival sob a forma de relançamentos de CDs, coletâneas, DVDs e livros. Ou seja, para a indústria o biopic funciona como alavanca para reativação de um catálogo.
Ciente disso, que interesse o espectador que não se identifica com o mero fã pode ter? Além da historinha bem contada, apenas o esforço de assombração dos atores. Depois dos deficientes, basta contar na lista de indicados e vencedores do Oscar qual é o tipo de personagem que mais conduz à cobiçada estatueta: biográficos.
Lembra-se do ano passado? Deu Jammie Fox, por "Ray". Agora, Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon já estão sorridentes com seus Globos de Ouro em casa e um Oscar ao alcance das mãos. No ano que vem será a vez do sortudo que for escolhido para ser Marvin Gaye em "Sexual Healing", biopic do soulman em fase de pré-produção.
E aí voltamos ao ponto de partida e defeito de "Johnny & June": a incapacidade de tirar do espectador o sentimento constante de "já vi esse filme".


Johnny & June
Walk the Line
  
Produção: EUA, 2005
Direção: James Mangold
Com: Joaquin Phoenix, Reese Witherspoon
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC Belas Artes, Anália Franco, Interlagos e circuito


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