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"JOHNNY & JUNE"
Johnny Cash vive o fantasma da vez
CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um grande artista. Uma infância difícil. Um trauma
com a morte do irmão. Um casamento fracassado. Uma temporada no inferno das drogas. Uma redenção nos braços da amada. Estamos falando da reestréia de
"Ray"?
Não. O fantasma da vez é outro.
Mas o esqueleto é o mesmo. Sai
Ray Charles, entra Johnny Cash, e
está pronta a receita de "Johnny
& June". O filme retrata o calvário
do ídolo country, da infância pobre à ascensão, aqui temperado
pela paixão difícil de acontecer ao
lado da espevitada June Carter.
Não se trata de um mau filme, já
que todas as habilidades hollywoodianas estão postas a serviço
para bem azeitar a máquina: um
roteiro concentrado, uma reconstituição de época impecável, atores no limite da reencarnação, tudo, tudo funciona (alguns vão se
incomodar com o esforço de Joaquin Phoenix para devolver a singularidade vocal de Cash, mas o
resultado não chega a comprometer).
Cara de Cristo
O problema está mesmo no formato quadradão do biopic. O filme biográfico ganhou desde as
origens do cinema o status de um
gênero particular. A lista é interminável, e, por mais que vidas
reais possam ter sido cheias de peripécias emocionantes, quando
transportados para as telas esses
heróis acabam todos com a mesma cara de Cristo. Este aliás é o
paradigma do biopic, com seu relato à base de revelação, martírio e
redenção.
Mas não é a garantia de retorno
espiritual que alimenta o interesse
dos produtores ao apostarem no
biopic. Junto do filme chega um
revival sob a forma de relançamentos de CDs, coletâneas, DVDs
e livros. Ou seja, para a indústria o
biopic funciona como alavanca
para reativação de um catálogo.
Ciente disso, que interesse o espectador que não se identifica
com o mero fã pode ter? Além da
historinha bem contada, apenas o
esforço de assombração dos atores. Depois dos deficientes, basta
contar na lista de indicados e vencedores do Oscar qual é o tipo de
personagem que mais conduz à
cobiçada estatueta: biográficos.
Lembra-se do ano passado?
Deu Jammie Fox, por "Ray". Agora, Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon já estão sorridentes
com seus Globos de Ouro em casa
e um Oscar ao alcance das mãos.
No ano que vem será a vez do sortudo que for escolhido para ser
Marvin Gaye em "Sexual Healing", biopic do soulman em fase
de pré-produção.
E aí voltamos ao ponto de partida e defeito de "Johnny & June": a
incapacidade de tirar do espectador o sentimento constante de "já
vi esse filme".
Johnny & June
Walk the Line
Produção: EUA, 2005
Direção: James Mangold
Com: Joaquin Phoenix, Reese
Witherspoon
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC
Belas Artes, Anália Franco, Interlagos e
circuito
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