São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

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"ORGULHO E PRECONCEITO"

Diretor Joe Wright sopra ares novos e tira o pó do filme de época

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Entre as razões para gostar de um filme, uma bela atriz está longe de ser o menos aceitável. E a atriz de "Orgulho e Preconceito" é dessas que fazem os espectadores prometerem a si mesmos que conseguirão até decorar seu nome: Keira Knightley.
O papel ajuda: sua Elizabeth Bennett é uma jovem inglesa bela, inteligente, orgulhosa, cuja língua ferina a impede de encontrar pretendente; ela não vê homem à sua altura. Estamos num mundo a que Jane Austen nos familiarizou. Mas também no mundo das adaptações de época britânicas, normalmente condenadas ao academismo mais sombrio.
É verdade que o plano de abertura induz a prever o pior: um longo plano-seqüência passando do exterior de uma casa ao interior e vice-versa. Parece imitação de Robert Altman. Nos preparamos desde logo para mais um duelo entre ricos e pobres, mediados por um código de etiqueta paralisante (da ação, em todo caso).
Talvez a diferença entre este filme e outros do gênero esteja no fato de o diretor Joe Wright não se apoiar em sua heroína para compor mais uma tardia ode à emancipação feminina ou uma crítica à aristocracia. Mais inteligente, Wright busca coisa mais interessante. Temos os ensaios de romance entre Elizabeth e o soturno Darcy (Mathew MacFadyen), entre Jane (Rosamund Pike), irmã mais velha de Elizabeth, e o tolo Charles (Simon Woods).
Bingley, apaixonado por Jane, afasta-se dela por não se julgar amado. Já Elizabeth rejeita Darcy por acreditá-lo mau caráter. A ciranda de equívocos parece não ter fim: todos se equivocam todo o tempo, e isso lança uma luz sobre a etiqueta. A codificação exaustiva do comportamento ali existe para minimizar o erro, diminuindo a margem de subjetividade dos atos dos envolvidos, que serão traídos pelos pensamentos.
Eles pensam, e por isso erram. Erram porque não são bobos -e não o inverso. Erram porque, sendo humanos, só podem chegar a algum tipo de convivência se a idéia de tolerância não for inteiramente derrotada. Nesse instante podemos voltar à atriz: o encanto de Knightley vem em grande parte do fato de que ela pensa em tempo integral. Ela substitui a etiqueta pelo pensamento, a convenção pelas idéias próprias. Seus olhos brilham, o sorriso e o choro são dotados de uma intensidade que vem das idéias que os perpassam. Ela nos faz esquecer que o filme tem erros e momentos mortos. Mas se a tolerância impera, não se deve exigir que Wright acerte em tudo. Arejar esse gênero empoeirado já não é pouco.


Orgulho e Preconceito
Pride & Prejudice
   
Produção: França/Reino Unido, 2005
Direção: Joe Wright
Com: Keira Knightley, Mathew MacFadyen
Quando: a partir de hoje nos cines Morumbi, Shopping D e circuito


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