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"A VIDA É BELA"/OUTRA VISÃO
Benigni é animador da vez
GERALD THOMAS
de Nova York
"A Vida É Bela", de Roberto
Benigni, é um desses filmes lindos e emocionantes que aparecem de tempos em tempos e
que, de tão corajosos e descompromissados com o engajamento histórico, "político e
ideologicamente corretos",
deixa seus críticos inteiramente confusos.
Para o desespero do público,
a crítica -composta na maioria de sisudos senhores cristãos- embarca num desenfreado festival de caça em busca de explicações, justificativas
e comparações literárias, para
tentar entender seu enorme sucesso.
Vão buscar em Chaplin, em
dom Quixote e, até mesmo, na
brilhante "A Lista de Schindler", do norte-americano Steven Spielberg, argumentos que
os coloquem "acima" da fantasia do comediante italiano e,
portanto, os autorize a assumir
a posição careta de poder "corrigir" e diminuir essa pequena
obra-prima italiana.
Em vez de, simplesmente, se
deixarem levar pela livre fantasia de "A Vida É Bela", esses
críticos, obviamente incomodados com a (aparente) alienação de seu personagem principal, acabam enxergando monstros ou descobrindo estratégias
macabras na forma "leve" e deliberadamente cômica com que
Benigni trata de temas tão "sérios" e "trágicos", como o Holocausto.
Certamente, o Holocausto é o
episódio mais trágico deste século. Mas nem por isso o tema
precisa ficar circunscrito somente a entediantes teses acadêmicas.
O assunto é de domínio público e, aliás, são os próprios judeus, como Groucho Marx,
Paul Celan e, até mais recentemente, Spiegelman, com sua
cruel e autodepreciativa história em quadrinhos, "The Mouse", os primeiros a transformar
em comédia essa aberração
histórica.
Não-judeu
O que irrita e confunde os críticos é que Benigni não é judeu.
Mas seu personagem é, e isso é
o que importa quando o vemos
driblando a história, da mesma
maneira com que Tostão driblava os atacantes do time inimigo.
Roberto Benigni tem tanto
direito de fazer sua "versão judia" da história, quanto Woody
Allen tem de fazer (como fez
em "Celebrity") sua "versão
cristã".
Substituir a tragédia pela comédia (e vice-versa) não é um
privilégio de judeus nem de
cristãos, mas um dado concreto e de uso muito frequente na
arte de qualquer grande dramaturgo.
É, justamente, a falta de escrúpulos com que esse autor/
diretor manipula tais sentimentos e os coloca a favor de
seu argumento que torna "A
Vida É Bela" uma utópica e iluminada jornada de um anti-herói durante o período mais escuro e inexplicável de nossa
história.
Foi ótimo o enfoque "behind
the scenes" que Leon Cakoff
deu à Folha na sexta-feira passada.
Só temo que, se analisado por
meio do "lobbismo" e da estratégia de marketing de qualquer
produtor capitalista, sedento
por prêmios e milhares de dólares na bilheteria, nenhum filme lançado no grande circuito
internacional consiga se salvar.
Todos acabam sendo vítimas
ou cúmplices dessa Hollywood
completamente deformada por
investimentos e conchavos malignos.
Benigni, um manipulador ou
um inocente manipulado por
um estúdio maquiavélico? E
daí? Se revirmos toda a história
da arte, com seus inacabáveis
pactos e conchavos, acabaremos questionando se Wagner
teria sido Wagner se não tivesse a proteção de Ludwig ou se
Mozart teria existido sem a corte austríaca.
Em última análise, vale até
perguntar se Hollywood seria
Hollywood se o Holocausto
não tivesse mandado para cá
seus melhores judeus.
Bobos da corte
Mas nada disso importa para
os espectadores de "A Vida É
Bela".
Sentados em suas poltronas,
judeus, cristãos e budistas vão
dar um breve passeio cômico às
trevas e testemunhar, com as
poucas lágrimas românticas
que ainda nos restam, que a
história realmente não serve
para nada e que, perto da virada do terceiro milênio, ela nada
mais é do que uma mera vítima
de interpretações, uma fantasiosa festa de horrores, animada por seus eventuais bobos da
corte.
E, nessa corte de bobos que é
Hollywood, é bom que Roberto
Benigni seja o bobo da corte da
vez.
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