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LIVROS/LANÇAMENTOS
"TIROS NA NOITE"
Publicação reúne 20 histórias do escritor Dashiell Hammett
Coletânea traz contos atípicos
BIA ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA
É duro falar de um ícone da
cultura pop como Dashiell
Hammett sem repetir os clichês
de sempre -"renovador do gênero", "a escrita dura das ru-
as"- , portanto vamos direto ao
ponto.
"Tiros na Noite" (não dá para
entender exatamente porque o título original, "Nightmare Town",
foi mudado) reúne 20 contos mais
ou menos raros do escritor norte-americano.
São histórias escritas entre as
décadas de 20 e 30, a maioria delas
publicada nas revistas baratas para as quais Hammett destinou
boa parte de sua produção.
Coletâneas desse tipo, ainda por
cima quando são lançadas próximas a efemérides ("edição em homenagem aos 40 anos da morte
do escritor", anuncia a capa do livro), costumam ser mais adequadas para fãs ardorosos do que para o público em geral.
"Tiros na Noite" fica numa espécie de meio caminho. Não exatamente a raspa do tacho, mas
não chega a constituir leitura imprescindível.
Há sim uns tantos contos abaixo da média do escritor, cuja leitura só deve interessar aos aficionados.
Por exemplo, "Um Homem
Chamado Thin", em que Hammett surpreendentemente mimetiza a tradição inglesa e aristocrática da história de mistério. Inventa um protagonista "sensível", dado a um hobby do espírito (mau)
poeta, que descobre os culpados
de um assalto por uma incongruência mínima no depoimento
de um deles.
Em tudo o conto lembra Conan
Doyle, mas, se o inglês tira graça
justamente ao exagerar a excentricidade e a argúcia de Sherlock
Holmes, a trama e o personagem
de Hammett simplesmente soam
inverossímeis, e o "tour de force"
do raciocínio, lerdo.
Ao lado deles, entretanto, a
compilação traz tanto histórias
em que Hammett experimenta
(com sucesso) formatos que não
são o seu habitual como (bons)
exemplos do estilo que o consagrou.
Nessas histórias mais desviantes, percebe-se o quanto a lenda e
o culto pop são capazes de obscurecer o escritor real. O culto, que
sempre lista as profissões diversas
que Hammett teve antes de tornar-se escritor, inclusive e sobretudo o fato de ele ter sido de fato
um detetive, nos dá a impressão
de um escritor quase espontâneo,
que levou apenas sua experiência
real para a máquina de escrever
(além do copo de bourbon, claro).
Pois bem, Hammett leu e bastante. Em "Quem Matou Dan
Odams", percebem-se claramente ecos da desolação geográfica e
social que eram os temas caros a
Jack London. "O Anjo do Segundo Andar" brinca abertamente
com a paródia e um certo clima
bufo, quase próximo das peripécias do "Tom Jones" de Henry
Fielding. "A Mulher do Bandido"
tenta uma exploração psicológica
que lembra Sinclair Lewis.
Esses indícios também sugerem
que, apesar de tirar seu sustento e
fama das histórias de detetive e de
ter catapultado o policial a um patamar ético e estético menos chão,
Hammett tinha um plano literário mais ambicioso do que o que
as "pulp magazines" ou Hollywood, que transpôs a atmosfera
sombria do "hard boiled" de
Hammett com mestria em filmes
como "O Falcão Maltês", poderiam conter.
Hammett, entretanto, não realizaria tal projeto literário. Pena,
pois os exemplos contidos na
compilação abrem alguns caminhos promissores, onde uma certa diversidade, sobretudo de ambientação, e a baliza da narração
seca teriam formado uma dupla
bacana. Mas ele parou em "A Ceia
dos Acusados".
Uma primeira (e ótima, diga-se
de passagem) versão do que viria
a ser seu último livro está na coletânea, ainda sem a dupla de detetives elegantes e sofisticados Nick
& Nora, que os hammettianos
mais duros consideram já um sintoma da má influência que a grana de Hollywood e Lillian Hellman estariam exercendo sobre o
escritor -por sinal, a mulher-malvada-que-emperra-a-criatividade-do-cara-talentoso é outro
velho clássico da cultura pop, vide
Lennon & Yoko, Cobain & Love.
Noves fora, "Tiros na Noite"
instrui e diverte: as narrativas
ágeis, plenas de um niilismo charmoso e uma certa agudeza no
olhar para realidades urbanas tornando-se definitivamente modernas e decididamente violentas, estão lá, ao lado de uns tantos Hammetts desviantes, atípicos, material para quem gosta de olhar pelas frestas.
Tiros na Noite
Nightmare Town
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Dashiell Hammett
Tradutores: Alexandre Raposo, Heloisa
Seixas, Ivanir Calado, Luiz Antonio
Aguiar, Marcos Santarrita, Rafael
Cardoso, Roberto Mugiatti, Rubem
Mauro Machado
Editora: Record
Quanto: R$ 50 (544 págs.)
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