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ARTES
Enfatizando o processo, e não a obra, artistas revivem vanguarda
Festa Dadá continua a acontecer na Suíça
EDUARDO SIMANTOB
DE ZURIQUE
Até o ano passado, eles eram
um coletivo anônimo e disforme,
uma combinação de sem-tetos,
militantes antiglobalização e artistas mambembes. Mas quando
uma seguradora suíça anunciou
sua intenção em transformar um
prédio abandonado na cidade velha de Zurique numa farmácia,
descobriram-se dadaístas.
Lembrou-se então que o tal prédio abrigava o famigerado Cabaret Voltaire, o berço do dadaísmo.
A tomada de tão importante marco pelo grande capital justificou,
para os novos dadás, a ocupação
ilegal do imóvel em janeiro do
ano passado, ressuscitando o Cabaret Voltaire, versão século 21,
assim como a dadanarquia como
resistência artística ao mercado e
às instituições culturais.
Fac-símiles de manifestos dadaístas originais, ao lado de "releituras", foram pregados às paredes, as portas reabriram para todo tipo de arte espontânea. A Justiça zuriquenha concedeu permissão de ocupação até o início
das obras, marcadas para maio
passado. A seguradora, a gigante
Rentenanstalt-Swiss Life, concordou em ceder o prédio, caso os invasores (pessoa jurídica: Fundação Krösus, de Creso, último rei
da Lídia, 560-546 a.C., e quem primeiro cunhou moedas de ouro)
conseguissem angariar US$ 1,3
milhão para adquiri-lo.
Durante quatro meses, o CV recebeu artistas de diversas partes
da Europa e além, reacendendo a
memória até mesmo dos nativos,
que mal tinham idéia do que se
tratava o tal dadaísmo, e muito
menos que Zurique foi seu berço.
Sucesso: Dadá invadiu as páginas culturais e, mais importante,
diversos fanzines e publicações
alternativas. O debate sobre como
resgatar a memória Dadá ocupou
os noticiários locais, a Swatch se
dispôs a patrocinar um museu do
dadaísmo, mas o dinheiro levantado, por fim, não chegou a uma
fração do necessário.
Assim, decidiu-se devolvê-lo à
população da maneira mais dadaísta possível: pela janela, e poucos passantes se deram ao trabalho de se agachar para catar as notas e moedas que choviam do Cabaret Voltaire em seu último dia
antes de virar farmácia.
A partir de então, Dadá virou
uma "festa móvel" por Zurique,
até que uma "conferência de imprensa" veio comunicar a invasão
de uma fábrica abandonada, para
abrigar mais um Festival Dadá
por período efêmero.
Hostess não-oficial (nada é oficial, afinal) do finado Cabaret
Voltaire, a drag queen Veuve Clicquot concede que "a transitoriedade espacial é indispensável para
se evitar a institucionalização e a
mercantilização do Dadá".
Certamente essa não é a primeira vez, em quase um século, que a
dadanarquia é reapropriada. Dadá também já foi invocado nos
primórdios da contracultura dos
anos 60 e na cena alternativa européia do início dos 80.
A apropriação da atitude anárquica e anticomercial pelo coletivo multinacional da Fundação
Krösus pretende demonstrar que
Dadá não só continua vivo, como
também não se rendeu.
Dadá desconsidera a perenidade da obra de arte e não admite
ser trancafiado num museu ou
galeria. É mesmo difícil crer que
alguém possa se interessar em
comprar qualquer uma das obras
expostas pelo labirinto de galpões
da fábrica Sihlpapier.
"Arte não é a obra, é o processo", sintetiza o dinamarquês sem
nome, depois de um dia pintando
as palavras de seu poema minimalista por paredes da fábrica.
Um slam-poet negro agarra o microfone: "Säged Jaja!" (digam ia-ia!), declama. "Säged Dada!" (digam Dadá!) é a resposta do coro.
Segue-se o concerto de um rapper
alemão, a noite toca em frente, toda noite até o dia 1º/3, prazo dado
pela prefeitura para a desocupação da fábrica, mas "a festa continua", garante Veuve Clicquot.
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