São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 2002

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ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL

Falta muito, mas estão começando a pôr a casa da música em ordem

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Já não era sem tempo. Finalmente começaram a mexer na Orquestra Sinfônica Municipal, que está de regente novo, programação nova, patronos novos, patrocinador novo e especialmente de ânimo novo neste início de temporada. Foi o que se viu segunda-feira no Teatro Municipal; e se não é motivo, ainda, para euforia, já justifica, no mínimo, algum otimismo.
Ira Levin, o novo diretor musical da OSM, foi recebido como um salvador, e oxalá tenha força para tanto. Musicalmente, é um disciplinador -o que talvez seja um bom caminho para a salvação. Sua principal virtude é a energia. Outras, ele ainda não teve chance de mostrar, até porque, por enquanto, a questão crucial é fazer o mamute se levantar, romper a crosta de gelo das costas e recuperar os movimentos, num fim de verão que é um começo de fim do inverno no Municipal.
Celebrai com júbilo, então, como diz o "Salmo 100", que a OSM e o Coral Lírico interpretaram na versão para sal, açúcar, azeite, pimenta, coentro e balsâmico do compositor alemão Max Reger (1873-1916). Tudo misturado num rocambole contrapontístico de grande fervor e grandes volumes. Justifica-se a escolha pelo uso de forças máximas da orquestra, coro e órgão, e pelo que tem de insólito. Se abatumou, não foi culpa de ninguém. Vem assim de fábrica.
A música ficou para a segunda parte, com a "Nona" de Beethoven (1770-1827). Embora ninguém tenha ido ao teatro para escutar a "Nona", mas sim a OSM com Levin tocando a "Nona".
Pontos altos: o novo instinto aeróbico da orquestra, a fluidez até nas passagens mais difíceis, um momento de eloquência nas violas no último movimento, os contrabaixos segurando a onda. O Coro Lírico, que tende para os grandes contornos mais do que para as sutilezas, mas nunca faz feio. E os solistas -Rosana Lamosa, Regina Elena Mesquita, Fernando Portari e Lício Bruno- fazendo música com segurança num contexto nem sempre seguro, nem tão musical. Ponto alto também para a elegância gracekelinesca de Lamosa.
Agora sejamos francos. A OSM melhorou? Muito. Mas não é outra orquestra ainda. É a mesma, tocando melhor. Se fosse uma orquestra estrangeira em visita à cidade, seria trucidada. E quem vai reclamar de nós mesmos, senão nós mesmos?
As cordas continuam irregulares, e não descobriram seu som; o quarteto de trompas estava em noite pouco feliz (habitual com trompas, o que não serve de consolo), o naipe de sopros não chega a ser um naipe, a entrada dos trompetes no "Presto" foi criminosa e até o contrafagote não esteve sempre no centro das notas, o que é de chamar a atenção naquelas profundezas.
E o "recitativo" das cordas, no último movimento? Notas, notas, notas. Som e fúria significando nada. A orquestra teve momentos bonitos, sem dúvida, sugerindo a orquestra que poderia ser; mas também teve momentos de banda. (Nenhum descrédito às bandas. Mas era a "Nona" de Beethoven.)
Já que estamos falando de tudo: Schiller não é acessório; nem o salmodista. A música só faz sentido -o seu sentido- quando entendida em relação com o texto. Foi confiança demais na erudição da platéia dispensar as palavras do "Salmo" e da "Nona".
Por outro lado, limparam a rua dos bandidos que praticavam o arrastão do estacionamento. ATENÇÃO: pode-se voltar ao Teatro Municipal sem medo. E sair sem medo, depois. Uma mudança e tanto para a vida cultural da cidade.
Já não era sem tempo de alguém mexer na OSM. Mas estamos bem no começo. E sejamos mesmo francos. Sem mudanças estruturais, dificilmente a orquestra pode melhorar de verdade. Como diria o patrono eterno de todos os secretários de cultura, Mário de Andrade, ninguém não teve ainda coragem de pôr a casa em ordem.
A chegada de Ira Levin criou uma circunstância nova e abriu portas para se acabar com vícios ancestrais não só da OSM, mas de todos os quadros estáveis do Municipal.
Entrai pelas suas portas com ação de graças, e logo.


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