São Paulo, sexta, 10 de abril de 1998

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O centenário do teatro de Stanislavski e Tchecov
O Teatro de Arte de Moscou, de Stanislavsky, festeja os 100 anos com um festival que reúne Robert Wilson, Andrei Serban, Ariane Mnouchkine e "O Livro de Jó", de Antônio Araújo

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

O Teatro de Arte de Moscou, que faz 100 anos em 14 de outubro, começou "do contra". No dizer de Stanislavsky (1863-1938), o mítico diretor que criou o TAM ao lado de Nemirovich-Danchenko:
"Desde o princípio (éramos) contra a velha maneira de interpretar, contra a declamação, contra a artificialidade do ator, contra a má encenação convencional, contra o excesso de ênfase no ator que estragava a companhia, bem como contra toda a estrutura da apresentação e do repertório pobre do teatro de então."
Jogando-se contra tudo e todos do agonizante teatro do século 19, o TAM fundamentou o teatro do século 20. Prova é o encontro estelar que iniciou em Moscou no último dia 25, um festival internacional pelo centenário.
Reúne 52 espetáculos dos maiores diretores contemporâneos. Vai do romeno Andrei Serban ("O Rei Stag") à francesa Ariane Mnouchkine, do irlandês Declan Donnellan ("Muito Barulho por Nada") ao grego Theodoros Terzopoulos ("Prometeu Acorrentado"), do americano Robert Wilson ("Persephone") ao japonês Tadashi Suzuki ("Dionysus").
Culmina com o próprio Teatro de Arte de Moscou, de Oleg Yefremov, com "As Três Irmãs", do autor emblemático do TAM, tão ou mais influente do que Stanislavsky, Anton Tchecov.

"O Livro de Jó"
Do Brasil, um único representante, o diretor Antônio Araújo, 30, com "O Livro de Jó", peça que estreou em São Paulo há três anos, baseado no texto bíblico. Serão dez apresentações, a começar do dia 12 de maio.
O local escolhido não é propriamente um hospital, como foi em São Paulo e como exige o diretor, para a peça -que faz uma alegoria não muito ostensiva entre as chagas de Jó e a Aids. Mas o local foi enfermaria na Segunda Guerra, o que o convenceu. "Ainda tem bala de revólver na parede", diz.
Onde apresentar foi o menor dos problemas neste retorno de "O Livro de Jó". O diretor perdeu seus dois protagonistas, em função, indiretamente, do próprio centenário do Teatro de Arte de Moscou.
Matheus Nachtergaele, que fazia Jó, e Mariana Lima, a mulher de Jó, deixaram o elenco para atuar, respectivamente, em "A Gaivota" e "Tio Vânia". Duas da série de montagens de textos de Tchecov programadas para este ano no Brasil -série estimulada pelo centenário.
As substituições já foram feitas, com Roberto Audio e Luciana Winden, mas a remontagem acontece com certo atropelo. Araújo está agastado com Nachtergaele. "Ele voltou atrás na decisão dele e criou uma situação difícil. Ele já tinha se comprometido a fazer e voltou atrás."
O diretor esteve em Moscou para preparar as apresentações e se diz impressionado com a religiosidade tão falada dos russos. Espera um diálogo com a peça, que tem a fé com um de seus grandes temas.
"No período soviético, você teve a negação da perspectiva religiosa. Eles me contaram, eles tinham aulas de ateísmo desde o primário. Um curso de ateísmo." Agora, relata Antônio Araújo, os próprios espetáculos russos que viu insistem no tema da busca de Deus.

Instituição
Cem anos depois, o Teatro de Arte de Moscou está longe do modelo "revolucionário" do início, na expressão de Stanislavsky.
A dramaturgia de Tchecov se disseminou pelo mundo, bem como as técnicas de atuação e encenação e, talvez mais do que tudo, a postura ética de companhia.
Dois exemplos dos princípios definidos em famosa conversa entre Stanislavsky e Danchenko, que levou à criação do TAM: "as pessoas devem amar a arte nela mesma, não a si mesmas na arte", "Hamlet hoje ou figurante amanhã, mas sempre um artista -mesmo como figurante".
Oleg Yefremov, o encenador de "As Três Irmãs", de Tchecov, que vai encerrar o festival, é o diretor-artístico do TAM desde 1970. Foi aluno de Danchenko.
Era tido nos anos 60 como um diretor inventivo, com montagens de peças de Edward Albee e John Osborne. Passadas três décadas, porém, é muito questionado, à frente de um Teatro de Arte de Moscou tornado instituição.



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