São Paulo, sexta, 10 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De como tirar proveito do dionisíaco figo

HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha

Na ala leste do Museu do Vaticano, segundo corredor à esquerda, são guardadas as gravuras renascentistas de autores desconhecidos.
Numa fria tarde romana, acabei por me tornar amigo de um simpático frade, guardião zeloso daqueles tesouros e que me alertou para um, em especial, onde se vê o pecado adâmico retratado de maneira curiosa.
A cena não difere muito das tradicionais: Adão, Eva, a serpente, o paraíso terreal. Mas, no lugar da costumeira maçã, o casal se delicia com um carnudo figo. Suponho que essa seja a única representação que foge à cena do paraíso perdido.
Ao contrário do que nos foi ensinado, a Bíblia não especifica o fruto. Maldito fruto que nos excluiu do Éden, onde poderíamos estar agora rodeados por mulheres apetitosas, com todas as frutas ao alcance da mão, numa temperatura de bordo (22 graus Celsius), sem ter que trabalhar nesse calor senegalesco na vã tentativa de pagar as contas - e os nossos pecados - ao final de cada mês.
Sejamos sinceros: que fruto lhe apetece mais? A previsível e monótona maçã ou o rubro, dionisíaco figo? Maçã, temos o ano inteiro. Figo, apenas num curto período. Mais precisamente, neste.
É hora de tirar proveito dessa bendita fruta fugindo das combinações óbvias às quais fomos acostumados. Experimente, por exemplo, descascar um figo, cortá-lo em quatro sem separar os gomos. No meio da fruta, uma rosácea de finíssima fatia de presunto de Parma. Regue o prato com um fio de vinagre balsâmico. Como dizia Duchamp, "é muito mais fácil atingir a perfeição na simplicidade".
Aquele filé mignon que você doura na manteiga pode ser transformado facilmente em prato de chef. Basta lavar acuradamente dois figos (preservando a casca) e empaná-los em farinha de trigo, ovo batido e farinha de rosca (nessa sequência), retirando o excesso. Depois, é só fritá-los em óleo de milho e usá-los como guarnição do filé puxado na manteiga.
Para o molho, coloque vinho do Porto na mesma frigideira da carne, deixe ferver, mexa bem com uma colher de pau, coe e coloque sobre o filé. Para terminar, um coulis de figo, ou seja, figos descascados e passados em peneira, espelhando o prato. Sobre ele, uma bola de sorvete de creme premiada com lâminas finas da nossa castanha-do-pará previamente assada.
E para preservar o prazer sensorial do figo durante o ano inteiro, a sugestão é colocar dois figos secos num bom vinagre de vinho branco e deixar macerar em lugar escuro por um mês. Ele será o parceiro perfeito para as saladas que levam peixes ou frutos do mar.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.