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De como tirar proveito do
dionisíaco figo
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
Na ala leste do Museu do Vaticano, segundo corredor à esquerda, são guardadas as gravuras renascentistas de autores
desconhecidos.
Numa fria tarde romana, acabei por me tornar amigo de um
simpático frade, guardião zeloso daqueles tesouros e que me
alertou para um, em especial,
onde se vê o pecado adâmico retratado de maneira curiosa.
A cena não difere muito das
tradicionais: Adão, Eva, a serpente, o paraíso terreal. Mas, no
lugar da costumeira maçã, o casal se delicia com um carnudo
figo. Suponho que essa seja a
única representação que foge à
cena do paraíso perdido.
Ao contrário do que nos foi
ensinado, a Bíblia não especifica
o fruto. Maldito fruto que nos
excluiu do Éden, onde poderíamos estar agora rodeados por
mulheres apetitosas, com todas
as frutas ao alcance da mão, numa temperatura de bordo (22
graus Celsius), sem ter que trabalhar nesse calor senegalesco
na vã tentativa de pagar as contas - e os nossos pecados - ao
final de cada mês.
Sejamos sinceros: que fruto
lhe apetece mais? A previsível e
monótona maçã ou o rubro,
dionisíaco figo? Maçã, temos o
ano inteiro. Figo, apenas num
curto período. Mais precisamente, neste.
É hora de tirar proveito dessa
bendita fruta fugindo das combinações óbvias às quais fomos
acostumados. Experimente, por
exemplo, descascar um figo,
cortá-lo em quatro sem separar
os gomos. No meio da fruta,
uma rosácea de finíssima fatia
de presunto de Parma. Regue o
prato com um fio de vinagre
balsâmico. Como dizia Duchamp, "é muito mais fácil atingir a perfeição na simplicidade".
Aquele filé mignon que você
doura na manteiga pode ser
transformado facilmente em
prato de chef. Basta lavar acuradamente dois figos (preservando a casca) e empaná-los em farinha de trigo, ovo batido e farinha de rosca (nessa sequência),
retirando o excesso. Depois, é só
fritá-los em óleo de milho e
usá-los como guarnição do filé
puxado na manteiga.
Para o molho, coloque vinho
do Porto na mesma frigideira da
carne, deixe ferver, mexa bem
com uma colher de pau, coe e
coloque sobre o filé. Para terminar, um coulis de figo, ou seja,
figos descascados e passados em
peneira, espelhando o prato. Sobre ele, uma bola de sorvete de
creme premiada com lâminas finas da nossa castanha-do-pará
previamente assada.
E para preservar o prazer sensorial do figo durante o ano inteiro, a sugestão é colocar dois
figos secos num bom vinagre de
vinho branco e deixar macerar
em lugar escuro por um mês.
Ele será o parceiro perfeito para
as saladas que levam peixes ou
frutos do mar.
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