São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2000


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CRÍTICA

Cantor tenta fechar o corte da soul music brasileira
DA REPORTAGEM LOCAL

Parece coisa de filme de Glauber Rocha, o oceano brilhando ao final de milhas e milhas de deserto. Wilson Simoninha deságua feito oceano, o mais bem preparado intérprete desde você nem lembra mais quando.
Cantando talvez melhor que seu pai -esse já uma das grandes vozes dos 60/70-, quebra o que já era tradição no canto masculino daqui. Se para meninos do rock 80 e mangueboys dos 90 bem cantar era dado secundário, Simoninha avisa que o cânone já era.
O disco começa avassalador, num sample sentimental da inesquecível introdução em "samba esquema novo" de "Mas Que Nada" (Jorge Ben, 63) -vem chuva.
Um crítico musical talvez não quisesse dizê-lo, mas é de trazer lágrimas aos olhos a técnica interpretativa que move hiperbaladas como "Orgulho" (o que há de melhor no CD -e, viva!, composta pelo próprio cantor, sob parentesco com a bossa-joão de "Meditação"), "Agosto" (do irmão menos maduro Max), "Eu e a Brisa".
Está recomposta, nelas, nossa alquebrada tradição soul, de Simonal e Tim Maia, Jorge Ben e Bebeto, Elis, Roberto e Erasmo... O corte, profundo e sangrento, já reúne condições de estancar.
Depois há a outra borda da ferida, do funk-samba, do sambalanço, então operada por Elza Soares, Tim, Jorge, Toni Tornado, Gerson King Combo, Black Rio, Tony Bizarro, até Leno & Lilian em 72.
Os unguentos são "É Isso Que Dá", as regravações de "Nanã" e "Bebete Vãobora" (acrescidas de excertos "posmo" de rappers e do soulman Lulu Santos) e o outro gol de placa do CD, "Aquele Gol". É um tecno-Ben-baião dedicado a Luiz Gonzaga, rei nordestino do deserto antes do oceano. Água oxigenada faz ferver as beiradas infeccionadas do corte, e nem dói.
A exibição de vaidade de "Flor do Futuro", ao vivo e destoante do contexto, não chega a arrefecer os ânimos, mas resta, de tudo, um perigo de que a bola do "fio maravilha" venha a bater na trave.
Qual é ele? Bem, a Trama não consegue, ainda, vender seus discos. Quer se desinfetar da sordidez fonográfica, e é até plausível que se digam "anticomerciais" os CDs de Otto, Júpiter Maçã, Max de Castro. Mas por tal não se poderá defender Simoninha -ultrapop, ele é artista para ficar à frente das bundas da indústria, tal como "black stars" tipo Macy Gray estão no feroz lado de cima.
Se com ele a Trama permanecer onde está, será um sinal de que o sonho de qualidade (até aqui levado à risca) esteja se contaminando de arrogância e filosofia de castelo de cristal. Simoninha é para os braços do povo. Tem de se ver o quelóide da cicatriz. (PAS)

   

Disco: Volume 2
 Artista: Wilson Simoninha
Lançamento: Trama
Quanto: R$ 20, em média


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