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TEATRO
Grupo de sem-terra realiza documentário que será exibido para o diretor Thomas Vinterberg, de "Festa de Família"
Elvira Alegre/Divulgação
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Alex Garcia (espiga na mão) ensaia papel de repórter em milharal do pré-assentamento em Arapongas |
"Dogma 95" encontra MST em Londrina
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A ARAPONGAS (PR)
Fonte de inspiração para José
Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado, aos poucos o
Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) cultiva,
ele mesmo, a criatividade artística
para pôr fim a latifúndios de outra
instância: os culturais.
Em Arapongas, município rural
a 36 km de Londrina, na região
norte do Paraná, um grupo de 31
sem-terra do pré-assentamento
Dorcelina Folador (homenagem à
prefeita de Mundo Novo, MS, assassinada no ano passado) tomam contato pela primeira vez
com a criação em vídeo.
Comandada pela diretora paranaense Berenice Mendes e equipe,
a oficina de linguagem audiovisual começou no dia 1º e prossegue até o final do mês, culminando com um documentário sobre a
trajetória do pré-assentamento,
desde a invasão dos 7.850.000 m2
da então fazenda São Carlos, no
início de 99, que seria leiloada pelo Banco do Brasil, até a conquista
da regularização junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em processo a ser concluído em breve.
A oficina é uma das 24 que integram os Projetos de Maio, como o
Festival Internacional de Teatro
de Londrina (Filo), em sua 33ª
edição, batizou o "braço social"
da programação de 2000, sob o tema "Ano 0, de Todas as Artes",
que prossegue até o próximo mês.
Rodado em formato VHS, com
duração prevista de 15 minutos e
ainda sem título, o vídeo será praticamente todo realizado pelo
grupo de sem-terra. Os integrantes estão conhecendo prática e
teoricamente as etapas da criação
(do roteiro à interpretação, passando pela operação da câmera,
figurinos e produção).
O cronograma previa para ontem à noite a conclusão das filmagens (internas e externas). O documentário será exibido no início
de junho, primeiro no pré-assentamento onde foi realizado, depois em Londrina, quando o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg ("Festa em Família", 98), do
manifesto Dogma 95, estará na cidade para um debate.
O Dogma 95 é um documento
assinado por quatro diretores dinamarqueses que pregam mais
simplicidade no cinema em oposição aos efeitos hollywoodianos.
Segundo a coordenadora de comunicação do pré-assentamento,
Jovana Cestille, 26, que está na
equipe de produção do vídeo, o
projeto do Filo casa com a perspectiva cultural que o MST vem
adotando nos últimos tempos (a
entidade lançou no ano passado,
por exemplo, o CD "Arte em Movimento", com participação de
Chico César e outros artistas).
"A música, a poesia e o teatro,
que já se tornaram realidade em
muitos assentamentos, são exemplos de que trabalhamos a arte
também a favor das nossas raízes
camponesas, apagadas pela mídia, que só mostra os conflitos e
nunca as nossas conquistas", diz.
Jovana conta que ela e os demais
participantes, com idades entre 17
e 33 anos, estão empolgados com
o curso. "Mesmo quando ficção, o
vídeo retrata um pouco da realidade. É uma arma poderosa."
Sérgio Faria de Sá, 33, deixou
seu acampamento no Pontal do
Paranapanema (SP) especialmente para frequentar a oficina. "Estamos descobrindo que existem outras culturas que devemos respeitar, não só a moda de viola ou violão, mas também o vídeo, o teatro,
o piano, o violino, coisas que estão muito distantes do nosso cotidiano", afirma.
Na semana passada, o grupo de
sem-terra foi até o centro de Londrina assistir ao espetáculo de
abertura do Filo, "La Pantera Imperial", musical inspirado na obra
de Bach e encenado pela Cia. Carles Santos, da Espanha.
A maioria pisava o chão de um
teatro pela primeira vez. Boné
vermelho com o símbolo do MST,
tarja preta no braço em luto pela
morte, na véspera, de um sem-terra em conflito com a PM paranaense, eles acompanharam a
apresentação compenetrados e
não esmoreceram diante dos problemas técnicos que implicaram
atraso de cerca de três horas.
Sob a mesma platéia do cine-teatro Ouro Verde funcionou, no
início do século, a Cia. de Terras
Norte do Paraná, de origem e capital britânico, "que na década de
30 recebeu brasileiros e imigrantes em busca de terra própria e vida nova", como informa a placa
de bronze afixada na entrada.
"Iniciava aqui a maior colonização de terras do planeta."
O jornalista Valmir Santos viajou a convite da organização do festival
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