São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para Glover, filme foi "incômodo"

DO "LE MONDE"

Leia abaixo entrevista com Danny Glover, que interpreta um escravo octogenário que trabalha numa plantação no sul dos EUA, aonde chegará a personagem de Grace (vivida por Bryce Howard).

Pergunta - Como se sente com o fim das filmagens de "Manderlay"?
Danny Glover -
É uma mistura de euforia e tristeza. Nós vivemos juntos por mais de dois meses. As relações com os demais atores eram particularmente fortes. Tenho a sensação de ter aprendido algo, de ter atingido uma forma de humildade com relação à profissão, de ter chegado a um acordo com seu senso mais profundo.

Pergunta - O método de trabalho de Lars von Trier o surpreendeu?
Glover -
É um método muito particular. A equipe se reúne todos os dias. Todos estão envolvidos na criação coletiva, em lugar de cada um se ocupar apenas de seu personagem. Lars filma fazendo comentários sobre a atuação, durante a rodagem da cena, em lugar de fazer diversas tomadas com longas interrupções como é comum. Isso cria uma grande intimidade. O trabalho fica próximo do teatro para o ator, porque aprofunda constantemente a sua interpretação. Lars von Trier é um homem de uma sensibilidade extraordinária.

Pergunta - Como o sr. definiria "Manderlay"?
Glover -
No filme, Lars ataca um dos grandes problemas norte-americanos. É característica dos EUA a recusa de confrontar ou mesmo refletir sobre seu passado escravagista. E surge um estrangeiro interessado no tema! "Manderlay" menciona igualmente o fato de que nossa Constituição tem uma ligação estrutural com a escravatura e a aceitava integralmente. Com certeza, será muito atacado quando o filme sair, todo mundo vai criticar. Vejam o que aconteceu com os franceses -em lugar de "french fries", os norte-americanos agora dizem "freedom fries". E isso tudo apesar de hoje termos descoberto que os franceses não queriam participar da guerra porque sabiam, e com razão, que ela se baseava em uma mentira de Estado. É desse tipo de hipocrisia que Lars pretende falar. Do mundo em que vivemos e do passado no qual se enraíza.

Pergunta - O sr. acredita que o filme causará controvérsia?
Glover -
Não sei. Prefiro manter essas questões no inconsciente. Não antecipo as reações das pessoas. Durante as filmagens de "Manderlay", me concentrei naquilo que o tema do filme representava para mim. Vestir trajes de escravo, estar nessa posição com relação aos brancos, cena após cena, é incômodo no plano pessoal, mas gera também uma reflexão política. Não deixei de me interrogar quanto ao que Lars von Trier queria dizer. Não concordo necessariamente com o conjunto de sua análise histórica, mas a moral -a idéia de que cada ação tem conseqüências, que não se pode escapar às conseqüências de nossos atos- me parece profundamente justa.


Texto Anterior: Escravos da América
Próximo Texto: Atriz quer ser diferente de Kidman
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.