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Para Glover, filme foi "incômodo"
DO "LE MONDE"
Leia abaixo entrevista com
Danny Glover, que interpreta um
escravo octogenário que trabalha
numa plantação no sul dos EUA,
aonde chegará a personagem de
Grace (vivida por Bryce Howard).
Pergunta - Como se sente com o
fim das filmagens de "Manderlay"?
Danny Glover - É uma mistura de
euforia e tristeza. Nós vivemos
juntos por mais de dois meses. As
relações com os demais atores
eram particularmente fortes. Tenho a sensação de ter aprendido
algo, de ter atingido uma forma
de humildade com relação à profissão, de ter chegado a um acordo com seu senso mais profundo.
Pergunta - O método de trabalho
de Lars von Trier o surpreendeu?
Glover - É um método muito
particular. A equipe se reúne todos os dias. Todos estão envolvidos na criação coletiva, em lugar
de cada um se ocupar apenas de
seu personagem. Lars filma fazendo comentários sobre a atuação,
durante a rodagem da cena, em
lugar de fazer diversas tomadas
com longas interrupções como é
comum. Isso cria uma grande intimidade. O trabalho fica próximo do teatro para o ator, porque
aprofunda constantemente a sua
interpretação. Lars von Trier é um
homem de uma sensibilidade extraordinária.
Pergunta - Como o sr. definiria
"Manderlay"?
Glover - No filme, Lars ataca um
dos grandes problemas norte-americanos. É característica dos
EUA a recusa de confrontar ou
mesmo refletir sobre seu passado
escravagista. E surge um estrangeiro interessado no tema! "Manderlay" menciona igualmente o
fato de que nossa Constituição
tem uma ligação estrutural com a
escravatura e a aceitava integralmente. Com certeza, será muito
atacado quando o filme sair, todo
mundo vai criticar. Vejam o que
aconteceu com os franceses -em
lugar de "french fries", os norte-americanos agora dizem "freedom fries". E isso tudo apesar de
hoje termos descoberto que os
franceses não queriam participar
da guerra porque sabiam, e com
razão, que ela se baseava em uma
mentira de Estado. É desse tipo de
hipocrisia que Lars pretende falar.
Do mundo em que vivemos e do
passado no qual se enraíza.
Pergunta - O sr. acredita que o filme causará controvérsia?
Glover - Não sei. Prefiro manter
essas questões no inconsciente.
Não antecipo as reações das pessoas. Durante as filmagens de
"Manderlay", me concentrei naquilo que o tema do filme representava para mim. Vestir trajes de
escravo, estar nessa posição com
relação aos brancos, cena após cena, é incômodo no plano pessoal,
mas gera também uma reflexão
política. Não deixei de me interrogar quanto ao que Lars von Trier
queria dizer. Não concordo necessariamente com o conjunto de
sua análise histórica, mas a moral
-a idéia de que cada ação tem
conseqüências, que não se pode
escapar às conseqüências de nossos atos- me parece profundamente justa.
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