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DANÇA
Balé da Cidade de SP marca seu espaço internacional
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Na antiga fábrica de carros da
Volkswagen, em Autostadt
(cidade do carro), o movimento
tomou conta de tudo. Torres de
automóveis -da própria Volkswagen, da Lamborghini, da Audi,
da Bentley e da Skoda- compõem um ambiente futurista. E
no caminho para chegar às velhas
torres da fábrica há uma tela, onde se vê dança todo o tempo.
Desde 2003, em Wolfsburg (a
100 km de Berlim), acontece o
"Movimentos Internationales
TanzFestival", que neste ano
abriu a temporada, na última
quinta, com o Balé da Cidade de
São Paulo, e continua com a companhia americana Bill T. Jones/
Arnie Zane Dance Company, seguida da Cloud Gate Dance Theatre de Taiwan e do Tokyo Ballet.
Tudo é montado para o evento.
Em meio à amplidão do espaço,
com sua coleção de engrenagens,
bobinas gigantescas, tubos etc.,
abre-se uma platéia para 900 espectadores. A diversidade de linguagens e estilos a que se propõe o
festival serve ao objetivo explícito
de fazer dele uma referência no
cenário internacional.
Na quinta e na sexta, o Balé da
Cidade apresentou "Máscaras do
Tempo", do iraniano Gagik Ismailian, "LAC", do brasileiro
Sandro Borelli, "Adagietto", do
argentino Oscar Araiz, e "Z", da
senegalesa Germaine Acogny.
Ontem e sábado, dançou outro
programa.
Os pontos inspirados da noite
de quinta foram os duos. "Adagietto", com música da "Quinta
Sinfonia" de Mahler, foi dançado
por Luciana Porta e Milton Kennedy. Ali se viu o que é suavidade
e leveza da dança neoclássica, privilegiando as linhas alongadas do
corpo, a relação harmoniosa dos
gestos com o espaço e a dramaticidade oculta no encontro dos
corpos, levados pela música. Nem
todos os acentos da música coincidem com os da dança: por isso
mesmo é que um reverbera no
outro, acolhidos no tempo justo
da coreografia.
Já "LAC", um duo com música
de Tchaikovski (o "Adágio" do
segundo ato do "Lago dos Cisnes"), nos leva para o campo da
irreverência, da inventividade e
do humor. Em cena, o encontro
de duas criaturas para o acasalamento, até que no final o macho é
morto. No início, Andréa Tomioka está sozinha, com a luz como
parceiro, desvendando sombras e
nuances. Até que entra Gustavo
Lopes. Dos corpos quase nus (calcinha e cueca), com venda (ou bico) na boca, Sandro Borelli retira
então movimentos e sensações
que nos dirigem ao centro das
coisas: prazeres e desprazeres, fisicalidade e emoção, intensificadas na lente de cada momento.
Os gestos são por vezes sinuosos
e malemolentes, por outras cortados e acentuados -um corpo
passa pelo outro e deixa no espaço
o rastro da sua existência. Se cada
acento causa uma ruptura com a
linguagem tradicional dessa dança tão conhecida, a variedade das
reinvenções ficará também para
sempre na memória desse novo
movimento dos cisnes.
Os encontros e desencontros
em "Máscaras do Tempo" são de
outra natureza. Nessa coreografia
tecnicamente muito difícil (com
giros seguidos, quedas e movimentos acentuados e angulosos),
homens e mulheres se vêem diante do caos depois da guerra.
A própria dificuldade de ultrapassar os limites do corpo numa
dança tão árdua já impõe um ritmo que faz alusão aos conflitos.
Desespero e esperança, brutalidade e consolo marcam os gestos. A
música do Dead Can Dance, com
canto em aramaico, entrecortada
pelo silêncio e pelo som dos corpos no espaço, cria uma ambiência de mantra, um lamento de
dentro do qual emerge a força da
dança. Sem dramaticidade excessiva, sem apelos, Ismailian cria relações de grande tensão, para narrar o que está para além de todos
os excessos.
Bem noutro plano fica "Z" (de
Zumbi), uma coreografia no limite do simplório, tematizando a escravidão e a liberdade. Movimentos ondulatórios do tronco e da
bacia não vão muito além de sedução para turista; e os chicotes e
penitências, no fundo, não passam também de macumba para
europeu.
A imprensa local mencionou
com entusiasmo a energia dos
corpos brasileiros e a capacidade
técnica da companhia. Dançando
para uma platéia lotada, com os
ingressos esgotados em todas as
noites e a presença de muitos jornalistas e vários programadores
de outros festivais, o Balé da Cidade faz bonito e marca seu espaço
no cenário internacional.
Inês Bogéa viajou a convite do Balé da
Cidade
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