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LITERATURA
Para crítico, Shakespeare era bêbado selvagem
ALESSANDRA BLANCO
de Nova York
Como alguém pode ter a ousadia
de questionar por que Marcel
Proust levou 30 páginas de um de
seus livros da coleção "Em Busca
do Tempo Perdido" para descrever como o personagem se virava
na cama antes de dormir?
Ou então dizer que o que Walt
Whitman fazia não pode ser chamado de poesia, que Gustave
Flaubert não era escritor, que, para o seu próprio bem, D.H. Lawrence não deveria publicar seus
livros ou que o trabalho de Shakespeare parecia o de um bêbado
selvagem?
Se isso pode servir de consolo
para algum escritor, todos os chamados "grandes nomes da literatura" já tiveram trabalhos massacrados por críticos, editores e até
por outros "grandes nomes".
Essas críticas e as próprias cartas
de rejeições de publicações dos
seus livros foram reunidas pelos
editores Bill Henderson e André
Bernard, da Puschcart Press, em
"Rotten Reviews and Rejections"
(Críticas Podres e Rejeições), livro
recém-lançado nos EUA.
Trata-se de críticas de época, comentários e desencorajamentos de
publicações de escritores norte-americanos e europeus, datadas
desde 411 antes de Cristo.
Proust, por exemplo, não recebeu apenas uma carta de um editor ironizando e rejeitando o seu
trabalho, mas de todos os outros
que procurou e só conseguiu publicar as 800 páginas do seu "Em
Busca do Tempo Perdido" porque
pagou para isso.
Até o final do século 18, Shakespeare era frequentemente alvo de
críticos e escritores. Não só Voltaire comparou seu trabalho ao de
um selvagem bêbado. Para George
Bernard Shaw, "Othello" era um
"puro melodrama", e "Antonio e
Cleópatra" era "cheio de falsas caracterizações".
Críticas de grandes escritores em
relação a outros eram, aliás, comuns. Emile Zola achava que "As
Flores do Mal", de Charles Baudelaire, seriam lembradas no futuro
apenas como curiosidade. Virginia Woolf não gostou de "Ulysses", de James Joyce, Gertrude
Stein falava mal de Ezra Pound,
Lord Byron também não gostava
de Shakespeare, Ernest Hemingway criticou Gertrude Stein,
Henry James criticou Walt Whitman e assim infinitamente.
Isso sem falar nas críticas propriamente ditas de jornais e revistas. Para o "The Odessa Courier",
por exemplo, "Anna Karenina",
de Tolstói, era um "lixo sentimental". "Mostre-me uma página
que contenha uma idéia", dizia o
artigo. Segundo a "New Statesman", "Criação", de Gore Vidal,
era um livro "fabricado" e não
"criado".
Na crítica de "Athenaeum", "O
Retrato de Dorian Gray", de Oscar
Wilde, foi descrito como "doentio, vicioso (apesar de não exatamente o que é chamado de 'inconveniente') e tedioso".
Wilde, aliás, ao submeter a um
editor o livro "Lady Windermere's Fan", em 1892, recebeu a seguinte resposta: "Meu querido senhor, li seu manuscrito. Oh, meu
querido senhor".
As rejeições são a melhor -ou
pior- parte do livro. Como justificativa de por que não publicaria
"O Retrato de uma Mulher", de
Ezra Pound, uma editora lhe enviou a seguinte observação: "A linha inicial contém muitos erres".
Uma outra editora mandou a
John Le Carré, em 1963, uma carta
dizendo que ele não tinha nenhum
futuro. Para um outro editor, o
best seller "O Diário de Anne
Frank", que chegou a virar peça na
Broadway, em Nova York, não tinha nenhuma chance de vender
porque "a garota, me parece, tem
uma percepção especial ou sentimento que elevaria o livro além do
nível de 'curiosidade"'.
Nessa linha best sellers, também
Agatha Christie e Mary Higgins
Clark, as campeãs de vendas nos
EUA, tiveram livros seus rejeitados por editoras que, em ambos os
casos, não consideraram seus personagens interessantes.
E, para encerrar as "críticas podres", Emily Dickinson só teve sete de seus poemas publicados em
vida. Isso porque o crítico Thomas
Wentworth Higginson, da
"Atlantic Monthly", se tornou
seu "amigo", mas aconselhou-a a
jamais tentar ter um de seus trabalhos publicados. Depois da morte
de Dickinson, suas correspondências com Higginson vieram enriquecer sua obra.
Livro: Rotten Reviews and Rejections
Organizadores: Bill Henderson e André
Bernard
Lançamento: Puschcart Press
Onde encomendar: livraria Cultura
(www.livcultura.com.br) e Amazon
(www.amazon.com)
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