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GASTRONOMIA
Taças, para provar azeite como se prova o vinho
NINA HORTA
especial para a Folha
Aos cinco anos, iniciada por Natália, a italianinha, aprendi a comer pão com alho e azeite. A menina cortou o pão, picou bastante
alho cru por cima e deixou cair um
fio fino de azeite.
Polvilhou sal e me mostrou como se apertava tudo com força para que nada se perdesse.
Naquela hora fui fisgada para
sempre. Qualquer nome que adotasse, aquele era e seria sempre
meu prato preferido. "Bougnotte" na França, delícia que rivaliza
com o foie gras. "Bruschetta" na
Itália, "brissa" em Nice. Na Toscana só pão e sal, pimenta, é a
"fettunta". No verão sofistica-se
mais um pouco, se é que isso é
possível, com uma fatia de pão,
rodelas de tomate, manjericão
amassado e queijo pecorino.
Acontece que, burramente, fiquei nisso a vida inteira. Só comendo. O mundo é tão cheio de
novidades que não dá para apreciá-las todas como seria devido.
Era bom e bastava.
Há algumas semanas me arrependi de tantos anos desperdiçados. Fui a um festival de culinária
mediterrânea aqui no Brasil. E o
que me esperava além de boa comida e boa bebida?
Natália, a italianinha, rediviva,
também portuguesa, também espanhola, transformada nos organizadores do festival.
O objetivo deles, apesar de envolvido em mais sofisticação, era
o mesmo da menina de antanho.
Converter meu paladar mineiro,
paulista, carioca, baiano, brasileiro, chamar minha atenção para o
azeite de oliva, fazer com que eu o
provasse e dele nunca mais me esquecesse.
Espertos. Na verdade o mundo
inteiro, o mundo que não tem
azeitonas, está se abrindo para o
assunto.
A surpresa foi grande ao chegar
a um grande auditório e encontrar
uma mesinha para cada convidado. Nela, rebrilhavam taças de
azeites variados.
Taças, sim senhores. Para se
provar o azeite como se prova o
vinho. Ao lado, fatias de maçã,
pão e água para limpar o paladar
entre uma degustação e outra. Era
tomar um golinho, deixar que ele
descesse até as papilas da base da
língua e deixá-lo lá um pouco, antes de engoli-lo.
Na nossa frente as taças e uma
folha de papel para as notas e observações dos atributos positivos e
negativos, poucas sugestões, é claro, para o bando de novatos no assunto.
Acontece que nós, que horas
atrás éramos o auge da ignorância,
depois de uma bela aula, portuguesa, com certeza, já falávamos e
sentíamos, de verdade, num deslumbre, num vislumbre, os estilos.
Agressivos, rústicos, finos, elaborados, macho e fêmea. Cheiro
verde de grama recém-cortada, os
amargos e apimentados, os picantes, os densos, os frutados. Sentimos passas e tâmaras, acredite se
quiser, minha pobre Natália das
corridas de pegador pelas calçadas.
Em matéria de gosto vão pensar
que estou exagerando, adjetivando, abusando de azeites como se
fossem esnobes. Não, juro que
não. De onde terão arrancado
aquelas azeitonas? As Natálias devem estar se esforçando ao máximo para alcançar o mercado brasileiro. Sentia-se gosto de maçã, lichia, violeta, amêndoa, flor, nozes, chocolate...
Dos defeitos que seriam ranço,
mofo, sabão, gordura tiveram a
delicadeza de nos poupar, graças
ao bom Pai.
Provamos portugueses doces e
decadentes, espanhóis leves como
plumas e italianos ásperos e rascantes.
Que prazer deve ser morar onde
moram também as azeitonas, regiões de oliveiras de prata, e de
manhã correr aos moinhos atrás
do azeite leve para as vagens frescas, um mais amarguinho para as
favas, e um etéreo e fresco para as
vieiras e mariscos.
Um novo continente a ser descoberto. Mania, moda, civilização? O
"az-záit", termo árabe, quer dizer sumo de azeitonas. A palavra
nos fala além de cores e sabores e
cheiros, das variedades da terra,
da idade, da colheita. Quem nos
ensinava era ora um espanhol, ora
um português, tão português era
ele, que precisámos usar fones de
ouvido com tradução simultânea
para entendê-lo, pois.
O melhor de tudo é que não tocaram em nomes, em marcas, não
deram nome aos bois, não se exaltou um produtor. A conclusão a
que chegamos todos é que há uma
enorme gama de bons azeites extravirgens, virgens (parece aquela
rapariga meio grávida, não?) e os
refinados. E o que manda na escolha é o nosso gosto.
Só tenho a triste suspeita que
nunca mais na minha vida vou ter
acesso àquelas papas finas de azeites escolhidos para seduzir.
Mas, assim mesmo, encantada,
viva Natália, viva a fettunta!
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