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CRÍTICA
Filme mostra reforma agrária dos sonhos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"O Sonho de Rose" justifica-se, antes de mais nada,
como sequência de "Terra para
Rose", filme realizado pela própria Tetê Moraes sobre a questão
agrária brasileira, em particular
sobre um acampamento de sem-terra no RS nos anos 80.
Em "Terra para Rose", os acontecimentos ditavam o filme: as
agruras da ocupação, os embates
com a polícia, as humilhações a
que eram submetidas pessoas
que, por reivindicarem, eram tratadas como marginais.
"O Sonho de Rose" é filmado
nos anos 90 e outras são as circunstâncias. A ocupação foi bem-sucedida, o governo dividiu as
terras. Agora a questão é: será que
a reforma agrária vai dar certo?
A gente devia ter vergonha de
fazer esse tipo de pergunta, pelo
tanto que ela denuncia o atraso
nacional. A resposta devia ser: dos
EUA ao Japão, a reforma agrária
sempre deu certo; se aqui não
funcionar é claro que jogar a culpa sobre os trabalhadores seria
descabido (embora previsível).
O fato é que Tetê Moraes, cineasta engajada, procura demonstrar que a reforma agrária
vai muito bem, obrigado. E esse é
o grande problema. Tomemos as
primeiras sequências. Ali existe
uma cooperativa. Todos os cooperados dizem maravilhas do sistema, que lhes permite economizar, comprar máquinas etc. Existem os que optaram pela pequena
propriedade à margem da cooperativa. Mas todos se dão bem.
Todos se visitam, tomam chimarrão, trabalham felizes. Os
campos são férteis. Porcos engordam. Na escola, crianças cantam.
Todos dizem que realizaram o sonho. Não há diferença de fundo
em relação aos velhos cinejornais
de Jean Manzon, que a cada semana mostravam indústrias produtivas, boas para a saúde, econômicas, com operários felizes.
Se o filme melhora na segunda
metade é, em parte, porque a realidade de outros assentamentos
que a diretora visita se mostra
mais conflitiva. Talvez por isso,
por não querer exacerbar conflitos, a diretora redireciona o filme
para os personagens (os mesmos
de "Terra para Rose") e estabelece
paralelos entre a situação dos
sem-terra nos tempos de acampamento e agora, no assentamento.
Para usar uma palavra hoje meio
em desuso, é aí que o documentário se mostra dialético, isto é,
constrói-se a partir do choque entre duas situações diversas.
Mas nessa segunda metade a diretora permite-nos conhecer um
pouco mais os participantes do
MST. É isso, paradoxalmente, que
deixa a impressão de um filme um
tanto frustrado: à força de engajamento, Tetê Moraes investe no cinema de propaganda e reserva só
pequena parte de seu trabalho ao
que era o mais vital -mostrar ao
espectador urbano o cotidiano
das pessoas que vivem em um assentamento, como trabalham,
pensam, amam, brigam, festejam
e até mesmo como sonham.
O Sonho de Rose - Dez Anos
Depois
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Direção: Tetê Moraes
Produção: Brasil, 2000
Quando: a partir de hoje nos cines ABC
Plaza Shopping, Espaço Unibanco e
Interlar Aricanduva
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