São Paulo, sexta-feira, 10 de agosto de 2001

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CRÍTICA

Filme mostra reforma agrária dos sonhos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"O Sonho de Rose" justifica-se, antes de mais nada, como sequência de "Terra para Rose", filme realizado pela própria Tetê Moraes sobre a questão agrária brasileira, em particular sobre um acampamento de sem-terra no RS nos anos 80.
Em "Terra para Rose", os acontecimentos ditavam o filme: as agruras da ocupação, os embates com a polícia, as humilhações a que eram submetidas pessoas que, por reivindicarem, eram tratadas como marginais.
"O Sonho de Rose" é filmado nos anos 90 e outras são as circunstâncias. A ocupação foi bem-sucedida, o governo dividiu as terras. Agora a questão é: será que a reforma agrária vai dar certo?
A gente devia ter vergonha de fazer esse tipo de pergunta, pelo tanto que ela denuncia o atraso nacional. A resposta devia ser: dos EUA ao Japão, a reforma agrária sempre deu certo; se aqui não funcionar é claro que jogar a culpa sobre os trabalhadores seria descabido (embora previsível).
O fato é que Tetê Moraes, cineasta engajada, procura demonstrar que a reforma agrária vai muito bem, obrigado. E esse é o grande problema. Tomemos as primeiras sequências. Ali existe uma cooperativa. Todos os cooperados dizem maravilhas do sistema, que lhes permite economizar, comprar máquinas etc. Existem os que optaram pela pequena propriedade à margem da cooperativa. Mas todos se dão bem.
Todos se visitam, tomam chimarrão, trabalham felizes. Os campos são férteis. Porcos engordam. Na escola, crianças cantam. Todos dizem que realizaram o sonho. Não há diferença de fundo em relação aos velhos cinejornais de Jean Manzon, que a cada semana mostravam indústrias produtivas, boas para a saúde, econômicas, com operários felizes.
Se o filme melhora na segunda metade é, em parte, porque a realidade de outros assentamentos que a diretora visita se mostra mais conflitiva. Talvez por isso, por não querer exacerbar conflitos, a diretora redireciona o filme para os personagens (os mesmos de "Terra para Rose") e estabelece paralelos entre a situação dos sem-terra nos tempos de acampamento e agora, no assentamento. Para usar uma palavra hoje meio em desuso, é aí que o documentário se mostra dialético, isto é, constrói-se a partir do choque entre duas situações diversas.
Mas nessa segunda metade a diretora permite-nos conhecer um pouco mais os participantes do MST. É isso, paradoxalmente, que deixa a impressão de um filme um tanto frustrado: à força de engajamento, Tetê Moraes investe no cinema de propaganda e reserva só pequena parte de seu trabalho ao que era o mais vital -mostrar ao espectador urbano o cotidiano das pessoas que vivem em um assentamento, como trabalham, pensam, amam, brigam, festejam e até mesmo como sonham.


O Sonho de Rose - Dez Anos Depois
  
Direção: Tetê Moraes
Produção: Brasil, 2000
Quando: a partir de hoje nos cines ABC Plaza Shopping, Espaço Unibanco e Interlar Aricanduva




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