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CD de Totonho & Os Cabra inicia leva de migração da produção pop paraibana ao sul e novo embate entre periferia e centro
Anti-heróis da Paraíba
DA REPORTAGEM LOCAL
A periferia se aproxima um
pouquinho mais do centro.
Aquietada a onda pernambucana
do mangue beat, é vez de a cena
da Paraíba começar a "exportar"
artistas pop para o centro-sul brasileiro.
Quem chega primeiro, por uma
gravadora de alcance nacional (a
Trama), é Totonho, 37, que, sem
pose ou estampa de pop star,
apresenta agora sua inconstante
banda Totonho & Os Cabra, já de
prolongada atividade artística.
"Totonho & Os Cabra" avança
na receita iniciada pela geração
mangue, exercitando regionalismo, pop e eletrônica. Mas o líder
do grupo relativiza a identificação
com aquele movimento: "O mangue foi um movimento, uma
"tchurma". Meu trabalho é mais
solitário. Eles tinham o desejo de
quebrar barreiras, de não ficar no
gueto. Comungo com os sentimentos da tropa de lá, apesar de
não ter relação com ela".
Totonho vem de Monteiro, na
zona semi-árida paraibana, onde
viveu até os 18 anos. "Toda a minha musicalidade vem desse lugar, das vaquejadas, dos repentistas", resume. Também a obsessão
temática com (as) cabras e (os)
cabras parece ter nascido ali.
"Criança, vendi buchada de bode de porta em porta. Era o prato
típico do sertão, em razão da economia. Uma família de cinco se
alimentava das sobras do bode
pagando R$ 2,50", lembra. Daí
"a" cabra, mas também "o" cabra:
"Meu pai nunca chamou ninguém pelo nome. Tratava a gente
de cabra, "ê, cabra, espera o carro-pipa, pega a buchada". Minha primeira namorada era chamada de
cabrita pelo pai, mas só quando
ele estava bravo. Os cabras são os
bastardos, os camponeses".
É curto ao se referir à popularidade que FHC rendeu à buchada,
há poucos anos: "Ele e outros políticos pedem muitos códigos emprestados, que encenem alguma
intimidade com cada região".
Aos 18 anos, tentou São Paulo,
onde viveu um ano e trabalhou
como operário. Na volta, a família
havia migrado para João Pessoa
em busca de melhores condições
de vida. Estabeleceu-se na capital,
onde, para estudar, trabalhou como abatedor de galinha e vendedor de caldo de cana.
Em João Pessoa, novas referências musicais causaram a primeira guinada: "Encontrei uns punks
"comunitários", os fios desencapados do bairro em que eu vivia.
Fundamos uma cooperativa de
compositores. Comecei a tocar
com o pessoal, a criação de músicas era coletiva. Ali tive minhas
primeiras informações de pop,
conheci o rock mundial", diz.
Nesse meio circulavam, entre outros, Chico César, Jarbas Mariz e o
grupo punk Jaguaribe Carne, de
Pedro Osmar.
"Tinha uma defasagem grande
de leitura, e o grupo me deu esse
acesso. Li os manifestos comunistas, Umberto Eco. Compreendi
que a questão da música estava
associada a ações comunitárias.
Tocamos em favelas, associações
de moradores, terrenos baldios",
lembra, dez anos após ter se mudado definitivamente para o Rio.
Identifica-se, nessa última migração, com o pernambucano Lenine, de "uma safra que veio e comeu o pão que o diabo amassou".
"Vim para fazer pós-graduação e
tentar arquitetar meu trabalho
musical e passei a trabalhar como
alfabetizador. Iniciei ações à noite
com os meninos de rua, fundamos a ONG Ex-Cola", conta.
"Em determinados momentos
deu vontade de desistir dessa postura, mas vi que não dava para separar minha música de minhas
atividades. Aprendi a procurar o
público que me interessasse, a
não querer neguinho balançando
o rabo para lá e para cá."
Chegar ao pop sulista pelas
mãos da Trama o surpreende pela
metade. "Só mesmo uma gravadora alternativa poderia pegar a
gente. Mandei 20 fitas demo, para
todas as gravadoras. Imaginei que
não ia rolar, começava a pensar
em fazer de forma independente,
com toda a minha feiúra e minhas
baforadas de dragão. Por isso,
quando Carlos Eduardo Miranda
apareceu, confiei nele e o esperei",
diz, referindo-se ao produtor do
disco e à demora de quase quatro
anos entre início e lançamento.
Admite que, antes de Miranda,
o tratamento de sua música era
convencional. "Dos oito cabras da
banda, quando mostrei o disco, só
ficaram três. Alguns disseram: "Isso não é música". Tocavam jazz,
Debussy, música acabada. Na
MPB há essa coisa chata de que a
vertente de voz e violão é sagrada.
Ninguém quer trocar o banquinho por um balde, o microfone
por um megafone", critica.
Enfim, fala de si e descreve seu
ceticismo: "Trabalhamos há muito para encontrar uma brecha em
que caiba nossa feiúra. Fiquei
sempre de pé atrás, mesmo com a
Trama. Em muitos momentos me
sinto um excluído. Ninguém me
indicou nenhuma oportunidade.
Por isso me acho uma pessoa solidária, e isso dá o tom de minha
prática artística. Sou um artista
inquieto".
O medo do futuro o remete de
volta à infância. "Tenho vários
medos, até de não dar conta do
que me propus a fazer. Comparo
com quando era menino e sobravam buchadas. A gente tinha que
comer tudo que sobrava, eu detestava. Hoje meu disco me soa
como uma buchada que ainda
não desceu", compara, tentando
trilhar a rota da inclusão.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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