São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO/CRÍTICA

"Selvagem como o Vento" desautoriza Denise Stoklos

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Denise Stoklos vem se destacando nos últimos anos pela radicalidade de sua proposta. Tomando o palco como palanque em seu "teatro essencial", um teatro sob medida para seu carisma, nunca hesitou em seus monólogos em apontar com o dedo os colegas que se esquivavam da mais nobre função do artista: a de desafinar o coro dos contentes, não se deixando comprar pelo sistema.
Por isso, em "Selvagem como o Vento", é grande a surpresa por vê-la se associar a Carolina Ferraz, atriz que costuma frequentar outras praias menos selvagens. Tal concessão não invalida o espetáculo. Pelo contrário: é divertido ver Carolina fazer o papel de Denise, como Kenneth Branagh fazendo o papel de Woody Allen.
Assume com aplicação o vocabulário gestual rigoroso da diretora, e sua impostação declamatória aborda o delicado texto de Tereza Freire, um tema e variações em torno da mulher abandonada, em uma chave quase paródica.
A cômica incongruência entre conteúdo e forma poderia levar a uma saudável desautorização da radicalidade de Denise. É como se ironizasse a si mesma ao fazer a personagem de Carolina, no auge da depressão por ter sido abandonada, vociferar com ódio uma receita de risoto à platéia.
Abandonadas do mundo, uni-vos: na escassez de bandeiras, Stoklos faz slogans para a TPM.
A marcação impecável, cercada pela ousadia controlada de projeções de vinhetas visuais ao som da trilha pop sofisticada (uma única música em várias versões), que remete ao universo de Felipe Hirsch, vai aos poucos se azedando pelo autocentrismo de Carolina. Cada movimento seu é calculadamente sensual, como se posasse para uma revista masculina. Transforma cacos em cenas intermináveis, como quando desce à platéia em busca de Deus, deixando claro, no entanto, enquanto contracena com o público, que o foco deve permanecer nela.
O espetáculo se descarrila definitivamente quando, no momento em que se arrisca finalmente a se enfear, esfregando grotescamente o pé no rosto, sai da personagem e do texto para tecer elogios à sua própria beleza e à vida feliz que tem, querendo deixar claro que não é a personagem, que é bem casada e tem filhos que vão bem no colégio.
Isso é duplamente desnecessário. Quem se interessa por essas questões já se informou nas revistas de fofoca. Quem veio ver a atriz, e não a personalidade, se constrange com esse aparte que desautoriza qualquer intenção mais profunda, descambando em piada para os amigos.
Mais grave, desautoriza a própria postura que Stoklos cultiva. Ao se mostrar subserviente à vaidade de Carolina Ferraz, parece apontar que sua radicalidade estética é só a superfície de um culto à personalidade. Seria em nome desse egocentrismo que Denise vem recrutando seguidores pelo Brasil, em testes rigorosos? É em nome do teatro que Denise prega que a presente montagem deve ser rigorosamente rejeitada. Com tanto marketing e arrogância, "Selvagem como o Vento" é tão selvagem quanto o arroz de um risoto instantâneo importado.


Selvagem como o Vento  
Direção: Denise Stoklos
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Almeida, 722, São Paulo, tel. 0/xx/11/5693-4000)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h
Quanto: R$ 30



Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Memória: Paris vê magia cinematográfica de Méliès
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.