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TEATRO/CRÍTICA
"Selvagem como o Vento" desautoriza Denise Stoklos
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Denise Stoklos vem se destacando nos últimos anos
pela radicalidade de sua proposta.
Tomando o palco como palanque
em seu "teatro essencial", um teatro sob medida para seu carisma,
nunca hesitou em seus monólogos em apontar com o dedo os colegas que se esquivavam da mais
nobre função do artista: a de desafinar o coro dos contentes, não se
deixando comprar pelo sistema.
Por isso, em "Selvagem como o
Vento", é grande a surpresa por
vê-la se associar a Carolina Ferraz,
atriz que costuma frequentar outras praias menos selvagens. Tal
concessão não invalida o espetáculo. Pelo contrário: é divertido
ver Carolina fazer o papel de Denise, como Kenneth Branagh fazendo o papel de Woody Allen.
Assume com aplicação o vocabulário gestual rigoroso da diretora, e sua impostação declamatória
aborda o delicado texto de Tereza
Freire, um tema e variações em
torno da mulher abandonada, em
uma chave quase paródica.
A cômica incongruência entre
conteúdo e forma poderia levar a
uma saudável desautorização da
radicalidade de Denise. É como se
ironizasse a si mesma ao fazer a
personagem de Carolina, no auge
da depressão por ter sido abandonada, vociferar com ódio uma receita de risoto à platéia.
Abandonadas do mundo, uni-vos: na escassez de bandeiras, Stoklos faz slogans para a TPM.
A marcação impecável, cercada
pela ousadia controlada de projeções de vinhetas visuais ao som da
trilha pop sofisticada (uma única
música em várias versões), que remete ao universo de Felipe
Hirsch, vai aos poucos se azedando pelo autocentrismo de Carolina. Cada movimento seu é calculadamente sensual, como se posasse para uma revista masculina.
Transforma cacos em cenas intermináveis, como quando desce à
platéia em busca de Deus, deixando claro, no entanto, enquanto
contracena com o público, que o
foco deve permanecer nela.
O espetáculo se descarrila definitivamente quando, no momento em que se arrisca finalmente a
se enfear, esfregando grotescamente o pé no rosto, sai da personagem e do texto para tecer elogios à sua própria beleza e à vida
feliz que tem, querendo deixar
claro que não é a personagem,
que é bem casada e tem filhos que
vão bem no colégio.
Isso é duplamente desnecessário. Quem se interessa por essas
questões já se informou nas revistas de fofoca. Quem veio ver a
atriz, e não a personalidade, se
constrange com esse aparte que
desautoriza qualquer intenção
mais profunda, descambando em
piada para os amigos.
Mais grave, desautoriza a própria postura que Stoklos cultiva.
Ao se mostrar subserviente à vaidade de Carolina Ferraz, parece
apontar que sua radicalidade estética é só a superfície de um culto
à personalidade. Seria em nome
desse egocentrismo que Denise
vem recrutando seguidores pelo
Brasil, em testes rigorosos? É em
nome do teatro que Denise prega
que a presente montagem deve
ser rigorosamente rejeitada. Com
tanto marketing e arrogância,
"Selvagem como o Vento" é tão
selvagem quanto o arroz de um
risoto instantâneo importado.
Selvagem como o Vento
Direção: Denise Stoklos
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Almeida, 722, São Paulo, tel. 0/xx/11/5693-4000)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h
Quanto: R$ 30
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