São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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MEMÓRIA

Exposição na capital francesa apresenta principais trabalhos de um dos pioneiros do uso de efeitos especiais em filmes

Paris vê magia cinematográfica de Méliès

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Uma comovente e deliciosa exposição em Paris está apresentando a obra de George Méliès às novas gerações. Cerca de 30 mil pessoas já visitaram o espaço cultural Electra para ver os principais filmes deste pioneiro genial da ficção e da fantasia no cinema, bem como dezenas de objetos, desenhos e instrumentos de mágica e de filmagem.
George Méliès (1861-1938) foi desenhista e ilusionista antes de se dedicar aos filmes. A exposição "Méliès - Magia e Cinema" e o enorme álbum de ensaios e imagens publicado simultaneamente concentram-se nas relações do diretor com a mágica e como esta alimentou sua cinematografia.
Dono de um teatro de mágicas em Paris, Méliès adquiriu uma câmera logo depois da invenção do cinematógrafo em 1895. Entre 1896 e 1913, fez mais de 500 filmes.
Foi o primeiro a realizar truques e trucagens com o aparelho cinematográfico e na montagem do filme. Criou todo um mundo particular e delirante, feito de demônios serelepes e visitas a terras absurdas, como em "Viagem à Lua" (1902), seu maior sucesso.
Filho de pais milionários, ficou mais rico ainda com seus filmes, que eram invejados e copiados em todo o mundo. O público adorava assistir às descobertas sucessivas (narrativas e técnicas) de Méliès, que servirão de fundamento para todo o ilusionismo cinematográfico futuro.
A maior parte dos filmes se perdeu. Desde 1945, os descendentes do diretor buscam as cópias que restaram em todo o mundo. Já conseguiram reunir 200 filmes diferentes de Méliès, como explica a seguir Marie-Hélène Lehérissey-Méliès, bisneta do diretor, de "50 e poucos anos", e umas das responsáveis pela Associação dos Amigos de Georges Méliès.

Folha - Como começou a reunião dos filmes de Méliès?
Marie-Hélène Lehérissey-Méliès -
Antes da Primeira Guerra, Méliès destruiu todos os negativos de seus filmes. Em 1945, Madeleine Malthête-Méliès, minha prima, e seu marido, Jacques Malthête, começaram a procurar cópias positivas que restavam em todo o mundo, trabalho que continua até hoje e do qual eu também participo. Já encontramos 200 filmes, em vários países, inclusive na Argentina. A cada ano achamos um ou dois filmes que não conhecíamos. Todos os filmes estão guardados em um arquivo familiar, preparado para preservá-los.

Folha - Por que Méliès queimou os negativos dos filmes?
Lehérissey-Méliès -
Quando ele vendeu seu estúdio, em 1913, não tinha onde guardar os negativos, que eram compostos de nitrato, sendo portanto muito inflamáveis e perigosos. Resolveu destruí-los. Penso também que ele achou que o cinema tinha se industrializado, evoluído, e os filmes já não interessavam mais a ninguém. Méliès tinha alma de mágico e creio que imaginou que poderia recomeçar com seus truques cinematográficos mais tarde.

Folha - É surpreendente a quantidade de desenhos de Méliès na exposição. Como puderam ser tão mais preservados do que os filmes?
Lehérissey-Méliès -
Apenas 10% dos seus desenhos estão expostos. Na família, há ainda entre 300 e 350. Um colecionador tem outros 300 desenhos. Há 150 na Cinemateca Francesa. Ele desenhava o tempo todo. Depois que parou com o cinema e empobreceu, precisou ir morar com seu filho, meu avô, pois só tinha a roupa do corpo, em torno dos anos 1924-1925. Minha mãe contava que Méliès desenhava o tempo todo, em tudo que encontra na sua frente: caixas de queijo, bilhetes de metrô.

Folha - Méliès era um homem rico, mas terminou seus dias na pobreza. O que se passou?
Lehérissey-Méliès -
Ele não sabia fazer contas. Era um artista que não se importava com isso. A própria administração do teatro Robert-Houdin era feita por sua mulher. Ele gastou três fortunas para fazer cinema: a de seu pai, a de sua mãe e a de sua primeira mulher, minha bisavó, que tinha um grande dote. Ele transferiu todo o dinheiro para os filmes, transformou-se no maior produtor do mundo entre os anos 1912 e 1915 e depois perdeu tudo. Além de ser o primeiro grande diretor, é também o primeiro produtor a falir por causa do cinema.



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