|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO/LANÇAMENTO
"DESTINO ÍMPAR"
Sete anos após sua morte, intelectual paulista tem época de formação reconstruída por professora da USP
Socióloga percorre o caminho de Florestan
CARLOS TORRES FREIRE
DA REDAÇÃO
Na infância, era chamado de Vicente pela família e pela madrinha, patroa da mãe empregada doméstica, pois Florestan não era nome para menino pobre. Nos
atuais anos de tucanato, muitos lembram dele como "professor
do presidente", já que teve o sociólogo Fernando Henrique Cardoso como um aluno exemplar.
As alcunhas tão díspares se referem a Florestan Fernandes (1920-95), que tem parte da história de sua vida remontada por Sylvia Gemignani Garcia, também socióloga e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
"Destino Ímpar - Sobre a Formação de Florestan Fernandes",
que era parte de uma tese acerca
da concepção de sociologia científica de Florestan, acabou se tornando uma história de vida do
que a autora chama de "período
de formação" (da infância à livre-docência, em 1953).
Esse "período de formação", segundo a autora, "não trata da formação estritamente intelectual,
do primeiro trabalho, de quem
leu etc., mas sim da experiência
social e cultural desde o início da
formação do indivíduo".
E a obra tomou esse rumo em
virtude da riqueza do material explorado. São depoimentos, entrevistas e textos, alguns publicados
em revistas acadêmicas e em
obras como "A Sociologia no Brasil" (1977) e "Florestan Fernandes
por Ele Mesmo" (1996).
Com exceção das cartas pessoais, todos são pós-aposentadoria compulsória da USP, em 1969
(por causa do regime militar),
quando Florestan entra em profunda crise, já que é obrigado a
sair da instituição para a qual se
dedicara durante 28 anos.
"São textos pungentes do ponto
de vista do depoimento. Ele se
oferece como um informante excepcional e há um traço de um
certo incômodo de Florestan, tanto intelectual como social, que dá
o tom nos relatos. Era uma personalidade especial, uma personalidade divergente", diz Garcia.
A narrativa sobre o "jovem Florestan" é permeada pela reconstrução histórica do desenvolvimento da cidade de São Paulo e da
USP e pelas discussões da sociologia como ciência autônoma.
"Há intérpretes que dizem que
ele era o homem certo no momento certo. Sem a modernização de São Paulo, a urbanização, a
industrialização e a transformação numa metrópole, com toda
aquela cultura difusa e de extrema
valorização da ciência, não seria
possível essa trajetória de Florestan", explica a professora.
É na USP, fundada em 1934, que
Florestan encontra a possibilidade da ascensão social e do reconhecimento. Isso porque os critérios intelectuais de seleção, fulcro
do projeto da universidade, barram a adoção dos critérios econômicos e políticos de indicação.
"Não entra porque é filho do presidente nem porque é muito rico,
tem que fazer o exame. Sem isso,
como o Florestan entraria na universidade? Quem indicaria?".
Como Florestan disse: "Para um
milhão de pessoas que serviram
de azeite para que esta máquina
funcionasse, há um que realiza
um destino ímpar", e, evidentemente, esse um tinha que ser ele.
A autora lembra que "ele fala de
como vai descobrindo um mundo novo ao estar nas casas das patroas da mãe, quando descobre os
livros, o amor aos livros. Uma cultura que provoca o menino de
forma muito poderosa. E ele decide que vai naquela direção. É evidente que tudo joga contra, pois
pára de estudar logo, a mãe não
apóia muito...". Também há o fato de ter começado a trabalhar aos
seis anos, o que o impediu de
completar o curso primário e o levou a fazer mais tarde o curso de
madureza (espécie de supletivo).
Mas a idéia simplória do engraxate que virou sociólogo solapa a
complexidade da trajetória. Garcia ressalta pontos cruciais nessa
formação, como a complicada socialização no mundo da burguesia paulista, a adesão completa ao
racionalismo, a qual alimenta um
ajuste incompleto e crítico ao novo lugar social conquistado.
Além disso, o rigor era parte da vida de Florestan. Rigor que fazia com que ficasse na biblioteca até meia-noite para recuperar o tempo de estudo perdido na infância. Rigor que fez de suas aulas as famosas "aulas tijolo", fama ratificada em depoimento da ex-aluna (hoje professora emérita da USP) Eunice Durham: "Não entendia metade do que ele falava". Rigor admitido pelo próprio: "Começava o curso com um sala de 50 alunos e no fim havia 20. Pois é, mas era milho que ia virar pipoca".
DESTINO ÍMPAR - SOBRE A
FORMAÇÃO DE FLORESTAN
FERNANDES - de Sylvia Gemignani
Garcia. Editora: 34. Quanto: R$ 22 (122
págs.)
Texto Anterior: Crítica: Gina Kolata conta boa história de mocinhos e bandidos Próximo Texto: "Euforia Perpétua": Bruckner examina triunfo da lei da felicidade Índice
|