São Paulo, sábado, 10 de agosto de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"A EUFORIA PERPÉTUA"

Autor coloca a busca da satisfação pessoal como um bem de consumo da sociedade ocidental

Bruckner examina triunfo da lei da felicidade

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Numa conversa entre pessoas inteligentes e cultas, alguém que se atreva a dizer que a felicidade não é o seu objetivo de vida causará, com certeza, estupefação, quase escândalo. Como não? O que mais pode mover a vida além da busca da felicidade?
No mundo ocidental contemporâneo, a noção de que felicidade e razão de viver são sinônimos é tão prevalente quanto a de que a noite se segue ao dia. O que na Declaração de Independência dos EUA foi incluído como direito transformou-se em obrigação, um dever que, quando não cumprido, torna-se fonte de humilhações. Não ser feliz é mais do que frustração, é crime e vergonha.
O romancista e filósofo amador francês Pascal Bruckner questiona essa certeza em "A Euforia Perpétua", livro que acaba de ser lançado no Brasil, dois anos depois de ter causado debates na França.
Bem apoiado em citações de autores clássicos, Bruckner traça uma história do conceito de felicidade no Ocidente desde atos-de-fé medievais até este início do século 21. Irônico, sagaz e agudo, ele critica de maneira devastadora o culto à saúde, à sexualidade, à juventude (e, contraditoriamente, à longevidade), à aparência, ao consumo, condições que se transformaram nos últimos 30 anos em mensuradores do grau de felicidade das pessoas.
O eixo do raciocínio do livro é que felicidade não pode ser considerada um objetivo em si mesma porque, além de ser uma idéia fugidia, imprecisa, extremamente subjetiva, na verdade ela só pode ser consequência de alguns momentos esporádicos de prazer ou de realização.
Os valores que são capazes de motivar e justificar a existência humana são os que também podem provocar episódios de felicidade: o amor, a amizade, a arte, o trabalho. Mas, por razões complexas e possivelmente indetermináveis que Bruckner sugere com criatividade e ousadia, a civilização contemporânea resolveu, por consenso, que existe um estado que sintetiza o sucesso profissional, amoroso, moral, familiar e deu-lhe o nome de "felicidade".
Mais: os indicadores dessa felicidade são desprovidos de conteúdo real e a sua obtenção depende exclusivamente do esforço e/ou da competência de cada um.
Além de impor a lei da felicidade, os tempos de agora também discriminam como alguém pode (na verdade, deve) provar a si mesmo e aos outros que é feliz: a esbelteza, os músculos, o bronzeamento, a ausência de rugas, as roupas da moda, o carro do ano.
No entanto, para aumentar o drama, a maioria dos que conseguem demonstrar sua felicidade costuma sentir tédio ou frustração após cada conquista de um novo símbolo de seu status. "Sou bastante feliz, mas me aborreço", como dizia a personagem Julie, de Voltaire, em "A Nova Heloísa". E, ao se sentirem tristes, deprimidos, desanimados, são considerados faltosos, fracassados, incapazes.
Bom francês, Bruckner usa a comida como exemplo dessa confusão geral entre causas e efeitos. "A mesa... virou um balcão de farmácia, onde se pesam, minuciosamente, gorduras e calorias, onde se mastigam com consciência alimentos que passaram a ser agora apenas remédios. É preciso beber vinho não por prazer, mas para reforçar a elasticidade das artérias, comer pão integral para acelerar o trânsito intestinal..."
Ao não admitir que a felicidade é um evento indireto, fugaz, e que a infelicidade é a mesma coisa, ambas naturais na vida de qualquer pessoa, a sociedade ocidental contemporânea se tornou a primeira na história humana a tornar as pessoas infelizes por não ser felizes.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"


A Euforia Perpétua     
Autor: Pascal Bruckner
Editora: Difel
Quanto: R$ 34 (240 págs.)



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