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LIVRO/LANÇAMENTO
"A EUFORIA PERPÉTUA"
Autor coloca a busca da satisfação pessoal como um bem de consumo da sociedade ocidental
Bruckner examina triunfo da lei da felicidade
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Numa conversa entre pessoas inteligentes e cultas, alguém que se atreva a dizer que a felicidade não é o seu objetivo de
vida causará, com certeza, estupefação, quase escândalo. Como
não? O que mais pode mover a vida além da busca da felicidade?
No mundo ocidental contemporâneo, a noção de que felicidade e razão de viver são sinônimos
é tão prevalente quanto a de que a
noite se segue ao dia. O que na Declaração de Independência dos
EUA foi incluído como direito
transformou-se em obrigação,
um dever que, quando não cumprido, torna-se fonte de humilhações. Não ser feliz é mais do que
frustração, é crime e vergonha.
O romancista e filósofo amador
francês Pascal Bruckner questiona essa certeza em "A Euforia Perpétua", livro que acaba de ser lançado no Brasil, dois anos depois
de ter causado debates na França.
Bem apoiado em citações de autores clássicos, Bruckner traça
uma história do conceito de felicidade no Ocidente desde atos-de-fé medievais até este início do século 21. Irônico, sagaz e agudo, ele
critica de maneira devastadora o
culto à saúde, à sexualidade, à juventude (e, contraditoriamente, à
longevidade), à aparência, ao
consumo, condições que se transformaram nos últimos 30 anos
em mensuradores do grau de felicidade das pessoas.
O eixo do raciocínio do livro é
que felicidade não pode ser considerada um objetivo em si mesma
porque, além de ser uma idéia fugidia, imprecisa, extremamente
subjetiva, na verdade ela só pode
ser consequência de alguns momentos esporádicos de prazer ou
de realização.
Os valores que são capazes de
motivar e justificar a existência
humana são os que também podem provocar episódios de felicidade: o amor, a amizade, a arte, o
trabalho. Mas, por razões complexas e possivelmente indetermináveis que Bruckner sugere
com criatividade e ousadia, a civilização contemporânea resolveu,
por consenso, que existe um estado que sintetiza o sucesso profissional, amoroso, moral, familiar e
deu-lhe o nome de "felicidade".
Mais: os indicadores dessa felicidade são desprovidos de conteúdo real e a sua obtenção depende exclusivamente do esforço
e/ou da competência de cada um.
Além de impor a lei da felicidade, os tempos de agora também
discriminam como alguém pode
(na verdade, deve) provar a si
mesmo e aos outros que é feliz: a
esbelteza, os músculos, o bronzeamento, a ausência de rugas, as
roupas da moda, o carro do ano.
No entanto, para aumentar o
drama, a maioria dos que conseguem demonstrar sua felicidade
costuma sentir tédio ou frustração após cada conquista de um
novo símbolo de seu status. "Sou
bastante feliz, mas me aborreço",
como dizia a personagem Julie, de
Voltaire, em "A Nova Heloísa". E,
ao se sentirem tristes, deprimidos,
desanimados, são considerados
faltosos, fracassados, incapazes.
Bom francês, Bruckner usa a comida como exemplo dessa confusão geral entre causas e efeitos. "A
mesa... virou um balcão de farmácia, onde se pesam, minuciosamente, gorduras e calorias, onde
se mastigam com consciência alimentos que passaram a ser agora
apenas remédios. É preciso beber
vinho não por prazer, mas para
reforçar a elasticidade das artérias, comer pão integral para acelerar o trânsito intestinal..."
Ao não admitir que a felicidade
é um evento indireto, fugaz, e que
a infelicidade é a mesma coisa,
ambas naturais na vida de qualquer pessoa, a sociedade ocidental contemporânea se tornou a
primeira na história humana a
tornar as pessoas infelizes por não
ser felizes.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
A Euforia Perpétua
Autor: Pascal Bruckner
Editora: Difel
Quanto: R$ 34 (240 págs.)
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