São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Exposições de Carla Zaccagnini e de Manuela Marques ganham inauguração hoje na galeria Vermelho

Obras provocam "deslocamento do olhar"

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Já na fachada da galeria, uma régua pintada em grande formato -obra de Nicolás Robbio, aponta para um novo dimensionamento e outra forma de observação. Simetria também, já que o número 0 está centralizado na parede.
A usual porta de entrada está lacrada, é preciso usar entradas laterais, pela esquerda ou pela direita, para chegar a "Até Onde a Vista Alcança", mostra de Carla Zaccagnini, no térreo da galeria Vermelho. Organizada de forma simétrica, como já indicava a imensa régua, a exposição apresenta seis obras, em várias mídias. A maior é "Duas Margens", visível pelos corredores do espaço, com duas projeções, uma feita em Portugal, outra no Brasil, ambas no mesmo horário, ambas com o mar chegando à areia.
Zaccagnini é artista que, de fato, trabalha nas margens, em geral, o melhor lugar para observar o centro. E observação é tema central da exposição. Sua operação é provocar um deslocamento do olhar, um certo estranhamento sobre o circuito da arte. Um exemplo é outra das obras apresentadas: uma gravura do século 19 em uma vitrine no meio do cubo branco da galeria. "Tenho interesse no papel da observação, e a arte contemporânea, ao menos a que faço, se dá pouco no olhar, é mais conceitual. Por isso apresento a gravura, para provocar um olhar diferente", diz Zaccagnini.
Já no segundo piso da galeria, "Hora Aberta", da luso-francesa Manuela Marques, traz uma discussão semelhante, por meio de fotografias e vídeos da artista. Sete fotos e três vídeos estão à volta de uma estrutura montada por Gerson de Oliveira, para criar uma atmosfera de contemplação, mas independente das obras expostas.
Contrária à fotografia que busca o momento perfeito no clique, Marques apresenta imagens de situações em trânsito, como a água que espirra quando se joga algo no mar, maçãs podres caídas ou um pássaro que não voa, para provocar um outro deslocamento no olhar, para aquilo que, em geral, estaria fora de campo para um fotógrafo documental. "A artista prefere dilatar a dimensão do presente para poder realizar um ensaio sobre a demora e a volta, sobre a percepção de uma vida paradoxalmente cristalizada e contínua", afirma a crítica Lisette Lagnado, em texto sobre a exposição.
Marques, com seu método, subverte certos princípios da fotografia, como congelar algo que pareça espetacular. "Acho que é nas situações menos valorizadas que se entende tudo. Por outro lado, me interessa o que não se vê à primeira vista, para revelar a precariedade das coisas", conta Marques.
Um exemplo dessa operação é a imagem de montes de terra cobertos de lona e neve. O que a fotografia não conta é que tal situação ocorreu porque, na França, ao se construir uma estrada, descobriu-se que havia fragmentos de ruínas que precisavam ser preservados. Quem observa a foto sem tais informações percebe, a princípio, apenas que há algo que precisa de proteção. "Procuro retratar situações com ambigüidade", diz a artista. Portanto cabe ao observador continuar aquilo que teve início na imagem.
Além das fotos, Marques apresenta três vídeos que dão continuidade ao trabalho fotográfico. Realizados no Brasil, sejam os retratos, seja a imagem do mar, eles têm o tempo dilatado, outra forma de transformar o modo de observação.


ATÉ ONDE A VISTA ALCANÇA/HORA ABERTA. Onde: galeria Vermelho (r. Minas Gerais, 450, SP, tel. 0/xx/11/3257-2033). Quando: abertura hoje, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 11h às 17h; até 4/9. Quanto: entrada franca (obras de R$ 500 a R$ 7.000).


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