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CINEMA
"Sal de Prata" expõe mecânica do set ao retratar "um drama intimista"
Filme mostra amor por trás da câmera
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO A PORTO ALEGRE
O cenário é insólito: o cemitério
vertical porto-alegrense São Miguel e Almas, construção neoclássica dos anos 30, semelhante a um
convento de quatro andares, mas
cujas paredes são tomadas por gavetas tumulares.
Diante de uma dessas lápides,
no último andar, um grupo de
pessoas bem-vestidas gargalha
sem pudor. São atores do filme
"Sal de Prata", de Carlos Gerbase,
e o motivo de seu riso são as palhaçadas feitas pela atriz Camila
Pitanga antes de a cena começar a
ser rodada.
Quando o diretor diz "Vamos
rodar", porém, faz-se um silêncio
condizente com o local.
Filma-se a cena 23 do quarto
longa de Gerbase, que o define como um "filme de amor metalinguístico" ou "um drama intimista
que tem o cinema como pano de
fundo".
O homem que está sendo enterrado é o cineasta pobretão Veronese (Marcos Breda).
Sua namorada, Cátia (Maria
Fernanda Cândido), economista
bem-sucedida no mercado de capitais, encontra no computador
do morto alguns roteiros que ainda não foram filmados. No intuito
de saber mais sobre Veronese, ela
procura a turma deste e acaba se
aproximando do mundo do cinema.
Três dos amigos do morto (Bruno Garcia, Nelson Diniz e Júlio
Andrade) resolvem filmar os roteiros que ele deixou. Em todos
esses "filmes dentro do filme" a
protagonista é Cassandra (Camila
Pitanga), musa e atriz preferida de
Veronese.
Essa estrutura narrativa, burilada numa das famosas oficinas de
roteiro do Sundance Institute,
permite a Gerbase jogar com a
linguagem do cinema, já que esses
filmes dentro do filme têm estilos
e formatos diversos.
É também um prato cheio para
Camila Pitanga mostrar sua versatilidade. "Faço na verdade quatro papéis, o de Cassandra e o das
personagens que ela representa",
diz a atriz, que se comporta nas
filmagens com a naturalidade de
quem cresceu num set de cinema,
acompanhando o pai, o ator Antonio Pitanga.
A descontração de Camila Pitanga contrasta com o rosto compenetrado de Maria Fernanda
Cândido, que protagoniza seu segundo longa (o primeiro foi
"Dom", de Moacyr Góes) depois
de ter ficado famosa graças à televisão.
"Essa concentração é uma característica minha", explica a
atriz. "O cinema registra segundos de imagem que vão permanecer. A gente trabalha com sutilezas. São fios de emoção, coisas pequenas. Se você não está concentrado, acaba se dispersando e perdendo essa sintonia fina que permite a melhor expressão."
Apesar do currículo pequeno na
tela grande, Maria Fernanda estudou para ser atriz de cinema. E
com uma das profissionais mais
respeitadas do ramo, Fátima Toledo. "Foi o acaso que me levou
primeiro à TV."
Gerbase não esconde que um
dos motivos que o levaram a chamar as divas Maria Fernanda e
Camila Pitanga -além do galã
Bruno Garcia- foi o desejo de
atingir o grande público.
"Dialogar com o público amplo
é uma coisa que eu sempre quis,
sem abrir mão de nada do que
penso e do que quero como autor", diz o cineasta.
Gerbase quer atingir a platéia
tanto pela emoção do drama narrado como pela curiosidade, sobretudo dos jovens, acerca dos
bastidores do cinema, da mecânica de construção dos filmes."Não
é um exercício de linguagem para
iniciados, mas uma "metalinguagem quente", acessível ao espectador comum. Não é um filme-cabeça."
O diretor espera que "Sal de
Prata" (nome da substância química que torna a película sensível
à luz) seja liberado para maiores
de 14 anos.
"Meu filme anterior, "Tolerância", teve censura 18 anos, e isso
prejudicou muito sua carreira",
afirma. Segundo ele, "Sal de Prata" não terá um erotismo tão explícito quanto o de "Tolerância".
"A carga erótica estará mais na
imaginação e na memória dos
personagens do que propriamente na ação."
É a primeira vez que Gerbase
adota em seu cinema a metalinguagem. "Depois de 14 filmes (incluindo os curtas) e vários anos
como professor, acho que tenho
alguma coisa a dizer sobre o cinema", afirma.
"Meu interesse maior é refletir
sobre a representação da realidade, sobre a poética no sentido
aristotélico. A gente só compreende o mundo quando faz ficção sobre ele."
"Sal de Prata", cujo orçamento é
de R$ 4 milhões, é uma produção
da Casa de Cinema e deverá ser
lançado em 2005, com distribuição da Columbia.
O colunista José Geraldo Couto viajou
a convite da Casa de Cinema de Porto
Alegre
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