São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

"Sal de Prata" expõe mecânica do set ao retratar "um drama intimista"

Filme mostra amor por trás da câmera

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO A PORTO ALEGRE

O cenário é insólito: o cemitério vertical porto-alegrense São Miguel e Almas, construção neoclássica dos anos 30, semelhante a um convento de quatro andares, mas cujas paredes são tomadas por gavetas tumulares.
Diante de uma dessas lápides, no último andar, um grupo de pessoas bem-vestidas gargalha sem pudor. São atores do filme "Sal de Prata", de Carlos Gerbase, e o motivo de seu riso são as palhaçadas feitas pela atriz Camila Pitanga antes de a cena começar a ser rodada.
Quando o diretor diz "Vamos rodar", porém, faz-se um silêncio condizente com o local.
Filma-se a cena 23 do quarto longa de Gerbase, que o define como um "filme de amor metalinguístico" ou "um drama intimista que tem o cinema como pano de fundo".
O homem que está sendo enterrado é o cineasta pobretão Veronese (Marcos Breda).
Sua namorada, Cátia (Maria Fernanda Cândido), economista bem-sucedida no mercado de capitais, encontra no computador do morto alguns roteiros que ainda não foram filmados. No intuito de saber mais sobre Veronese, ela procura a turma deste e acaba se aproximando do mundo do cinema.
Três dos amigos do morto (Bruno Garcia, Nelson Diniz e Júlio Andrade) resolvem filmar os roteiros que ele deixou. Em todos esses "filmes dentro do filme" a protagonista é Cassandra (Camila Pitanga), musa e atriz preferida de Veronese.
Essa estrutura narrativa, burilada numa das famosas oficinas de roteiro do Sundance Institute, permite a Gerbase jogar com a linguagem do cinema, já que esses filmes dentro do filme têm estilos e formatos diversos.
É também um prato cheio para Camila Pitanga mostrar sua versatilidade. "Faço na verdade quatro papéis, o de Cassandra e o das personagens que ela representa", diz a atriz, que se comporta nas filmagens com a naturalidade de quem cresceu num set de cinema, acompanhando o pai, o ator Antonio Pitanga.
A descontração de Camila Pitanga contrasta com o rosto compenetrado de Maria Fernanda Cândido, que protagoniza seu segundo longa (o primeiro foi "Dom", de Moacyr Góes) depois de ter ficado famosa graças à televisão.
"Essa concentração é uma característica minha", explica a atriz. "O cinema registra segundos de imagem que vão permanecer. A gente trabalha com sutilezas. São fios de emoção, coisas pequenas. Se você não está concentrado, acaba se dispersando e perdendo essa sintonia fina que permite a melhor expressão."
Apesar do currículo pequeno na tela grande, Maria Fernanda estudou para ser atriz de cinema. E com uma das profissionais mais respeitadas do ramo, Fátima Toledo. "Foi o acaso que me levou primeiro à TV."
Gerbase não esconde que um dos motivos que o levaram a chamar as divas Maria Fernanda e Camila Pitanga -além do galã Bruno Garcia- foi o desejo de atingir o grande público.
"Dialogar com o público amplo é uma coisa que eu sempre quis, sem abrir mão de nada do que penso e do que quero como autor", diz o cineasta.
Gerbase quer atingir a platéia tanto pela emoção do drama narrado como pela curiosidade, sobretudo dos jovens, acerca dos bastidores do cinema, da mecânica de construção dos filmes."Não é um exercício de linguagem para iniciados, mas uma "metalinguagem quente", acessível ao espectador comum. Não é um filme-cabeça."
O diretor espera que "Sal de Prata" (nome da substância química que torna a película sensível à luz) seja liberado para maiores de 14 anos.
"Meu filme anterior, "Tolerância", teve censura 18 anos, e isso prejudicou muito sua carreira", afirma. Segundo ele, "Sal de Prata" não terá um erotismo tão explícito quanto o de "Tolerância". "A carga erótica estará mais na imaginação e na memória dos personagens do que propriamente na ação."
É a primeira vez que Gerbase adota em seu cinema a metalinguagem. "Depois de 14 filmes (incluindo os curtas) e vários anos como professor, acho que tenho alguma coisa a dizer sobre o cinema", afirma.
"Meu interesse maior é refletir sobre a representação da realidade, sobre a poética no sentido aristotélico. A gente só compreende o mundo quando faz ficção sobre ele."
"Sal de Prata", cujo orçamento é de R$ 4 milhões, é uma produção da Casa de Cinema e deverá ser lançado em 2005, com distribuição da Columbia.


O colunista José Geraldo Couto viajou a convite da Casa de Cinema de Porto Alegre


Texto Anterior: Ilustrações: Exposição reflete Dom Quixote "digno"
Próximo Texto: Cinema: RS produz "filme intimista" com a FAB
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.