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"O ALUCINADO"
Buñuel vasculha mente de paranóico
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
Há poucos meses saiu em
DVD no Brasil "Ensaio de
um Crime", filme de Luis Buñuel
realizado em 1955. Agora, é a vez
de "O Alucinado" ("Él"), obra-prima de 1952. É um privilégio assistir a estes dois filmes da fase
mexicana do diretor, ambos reproduzidos em ótimas cópias. A
distribuidora pretende lançar os
demais trabalhos que Buñuel fez
no México. Tomara que o faça.
Buñuel, que era espanhol, viveu
no México de 1946 até o início dos
anos 60. Quando chegou, havia
no país uma indústria de cinema
bastante desenvolvida -com
"star system" (Cantinflas, Maria
Félix, Dolores del Rio etc.), ótimos
técnicos (como o notável fotógrafo Gabriel Figueiroa) e bons diretores (como Emilio Fernandez).
Ele freqüentará os últimos anos
da era de ouro mexicana.
Figueiroa é quem fotografa "Él",
em sólido preto-e-branco. A história vem de um romance de ocasião, "Pensamientos", de uma tal
de Mercedes Pinto. A base narrativa é melodramática, mas o desenvolvimento que lhe dá Buñuel
é brilhante: entramos nos salões
de um "novelão" e, de repente, estamos percorrendo os corredores
do inconsciente.
O rico Francisco (Arturo de
Córdoba) é um quarentão, católico e virgem, que se apaixona por
uma mulher vários anos mais jovem que ele (Delia Garcés). Eles se
casam. Ao se deparar com o seu
próprio desejo, livre de qualquer
impedimento moral e religioso,
Francisco recua, assombrado, e já
na lua-de-mel começa a dar vazão
a uma devastadora paranóia, que
se manifesta num ciúme sem trégua da mulher.
Sendo a história de um paranóico, "Él" é portanto um filme de
suspense. E suas correspondências com o cinema de Hitchcock
já foram apontadas. Poderia estar
em "Él", inclusive, a origem da famosa seqüência do sino em "Um
Corpo que Cai", feito seis anos
mais tarde, em 1958. Há outras similitudes: por exemplo, com "A
Sombra de uma Dúvida", esta história cruel de casamento que
Hitchcock filmou em 1941.
Mas "Él" é também um filme de
humor crítico. Buñuel desorganiza por dentro as fantasias burguesas do matrimônio, o machismo
latino-americano e as pregações
da Igreja Católica. Para o diretor,
que foi ligado ao surrealismo, o riso é um mecanismo de subversão
da ordem moral, ainda mais necessário quando nos deparamos
com uma tragédia psicológica como a de "Él" e um herói do ascetismo como Francisco.
O Alucinado
Él
Direção: Luis Buñuel
Distribuidora: Versátil
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