São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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"O ALUCINADO"

Buñuel vasculha mente de paranóico

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Há poucos meses saiu em DVD no Brasil "Ensaio de um Crime", filme de Luis Buñuel realizado em 1955. Agora, é a vez de "O Alucinado" ("Él"), obra-prima de 1952. É um privilégio assistir a estes dois filmes da fase mexicana do diretor, ambos reproduzidos em ótimas cópias. A distribuidora pretende lançar os demais trabalhos que Buñuel fez no México. Tomara que o faça.
Buñuel, que era espanhol, viveu no México de 1946 até o início dos anos 60. Quando chegou, havia no país uma indústria de cinema bastante desenvolvida -com "star system" (Cantinflas, Maria Félix, Dolores del Rio etc.), ótimos técnicos (como o notável fotógrafo Gabriel Figueiroa) e bons diretores (como Emilio Fernandez). Ele freqüentará os últimos anos da era de ouro mexicana.
Figueiroa é quem fotografa "Él", em sólido preto-e-branco. A história vem de um romance de ocasião, "Pensamientos", de uma tal de Mercedes Pinto. A base narrativa é melodramática, mas o desenvolvimento que lhe dá Buñuel é brilhante: entramos nos salões de um "novelão" e, de repente, estamos percorrendo os corredores do inconsciente.
O rico Francisco (Arturo de Córdoba) é um quarentão, católico e virgem, que se apaixona por uma mulher vários anos mais jovem que ele (Delia Garcés). Eles se casam. Ao se deparar com o seu próprio desejo, livre de qualquer impedimento moral e religioso, Francisco recua, assombrado, e já na lua-de-mel começa a dar vazão a uma devastadora paranóia, que se manifesta num ciúme sem trégua da mulher.
Sendo a história de um paranóico, "Él" é portanto um filme de suspense. E suas correspondências com o cinema de Hitchcock já foram apontadas. Poderia estar em "Él", inclusive, a origem da famosa seqüência do sino em "Um Corpo que Cai", feito seis anos mais tarde, em 1958. Há outras similitudes: por exemplo, com "A Sombra de uma Dúvida", esta história cruel de casamento que Hitchcock filmou em 1941.
Mas "Él" é também um filme de humor crítico. Buñuel desorganiza por dentro as fantasias burguesas do matrimônio, o machismo latino-americano e as pregações da Igreja Católica. Para o diretor, que foi ligado ao surrealismo, o riso é um mecanismo de subversão da ordem moral, ainda mais necessário quando nos deparamos com uma tragédia psicológica como a de "Él" e um herói do ascetismo como Francisco.


O Alucinado
Él
    
Direção: Luis Buñuel
Distribuidora: Versátil



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