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LITERATURA
Livros do autor inglês ganham versão em formato normal e pocket; "Admirável Mundo Novo" é um dos títulos
Eugenia de Aldous Huxley mantém-se atual
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
Houve um tempo -e nem
faz tanto tempo assim- em
que imaginar o futuro era uma
boa diversão. Depois, o futuro
chegou, superando as piores expectativas e ficando bem aquém
das melhores, e parece que a ficção científica perdeu um pouco
da sua graça. Afinal, as naves não
vieram e temas como a clonagem
de seres humanos se banalizaram
ao ponto de até virar assunto para
a novela das oito.
Do tempo em que viajávamos
nos séculos que viriam, ficaram
clássicos da literatura do gênero, a
maioria deles atualmente muito
difíceis de achar nas livrarias brasileiras -caso de "Fahrenheit
451", de Ray Bradbury, que a editora Francisco Alves deixou de
publicar e não tem previsão de
reedição, ou mesmo "1984", de
George Orwell, atropelado pelo
fim dos regimes comunistas no
Leste Europeu, mas que permanece como boa literatura.
Para quem continua gostando
de ficção científica, no entanto,
uma boa notícia: a Globo está relançando, com tradução revista,
os livros de Aldous Huxley, entre
eles "Admirável Mundo Novo",
talvez a previsão futurística que
mais tenha acertado até agora. E,
prova de que o futuro chegou
mesmo, seguindo os padrões editoriais dos países mais desenvolvidos, os livros saem em formato
normal e também em pocket,
com preço bem mais em conta.
Em "Admirável Mundo Novo",
de 1932, o autor inglês (1894-1963)
imagina uma sociedade dominada pela eugenia, isto é, pela manipulação dos genes para melhoramento da raça. As classes estão divididas em castas genéticas: quem
nasceu, ou melhor, quem foi planejado nos tubos de ensaio para
ser Delta Menos nunca chegará a
Alfa Mais. Um Ípsilon Semi-Aleijão, por exemplo, coitado, terá
que se conformar em ser carregador de equipamentos pesados para o resto da vida.
É assim, utilizando o alfabeto
grego em ordem decrescente, que
Huxley divide sua sociedade de
semi-autômatos com o destino
programado desde o berço-pipeta, ou "bocal": fisicamente, intelectualmente, laboralmente, socialmente. As formas naturais de
concepção foram banidas.
Claro que tanta previsibilidade
podia gerar, às vezes, uma certa
depressão. Nada que o poderoso
"soma" não resolvesse -droga
legalizada, algo como os nossos
Prozacs e Lexotans de hoje em
dia. "Lembre-se: com um centímetro cúbico se curam dez sentimentos lúgubres", diz uma das
personagens, Lenina, a Bernard,
que não gosta de tomar a pílula e,
baixinho, sofre o romance inteiro
com os boatos de ter sido vítima
de um erro na decantação.
Em 1962, Huxley lançaria uma
espécie de anti-""Admirável Mundo Novo", com outra sociedade
saída de sua imaginação, mas
muito mais otimista: "A Ilha",
também reeditado pela Globo (a
editora relança ainda "Sem Olhos
em Gaza" e, no início do ano que
vem, "Contraponto"). Já influenciado pelo orientalismo, o escritor
cria Pala, que entraria para o rol
de lugares utópicos da literatura.
Como no movimento hippie
que começava a ganhar força na
década, em Pala, a liberdade sexual é completa, graças à "ioga do
amor". A estrutura familiar também tem mudanças significativas.
Já não bastam os laços de sangue,
mas os de afeto. Se a criança não
se sente satisfeita ou não se identifica com os pais que tem, pode
eleger outros -e vice-versa.
Na ilha também há uma droga,
o "moksha", sem, porém, os mesmos efeitos anestésicos do "soma". É uma droga à base de fungos, "reveladora da realidade, a
pílula da verdade e da beleza", feita não para esquecer os problemas, como é o "soma", mas para
descobrir as origens deles nos recônditos da alma.
O "moksha" parece ser o resultado direto das experiências de
Aldous Huxley com a mescalina,
narrados em outro livro, "As Portas da Recepção" (que inspirou
Jim Morrison a nomear seu grupo, The Doors). "Com 400 miligramas de "moksha" na sua corrente sanguínea, mesmo os principiantes (...) podem perceber
num relance como é o mundo dos
que foram libertados do cativeiro
do próprio ego", prega Vijaya ao
náufrago Will Farnaby.
Bem de acordo com as influências do período, a maior parte dos
habitantes de Pala tem nomes
hindus. É esta a receita de Huxley
para a sociedade ideal: a combinação de budismo e ciência
-com duas doses de "moksha"
por ano para viajar um pouco,
sem sair da ilha.
Quem já leu "Admirável Mundo Novo" e "A Ilha" vai querer reler; quem não conhece terá a
chance. Em tempos de guerra, nada como um bom relançamento
-ironicamente, indo para a época de Huxley para olhar o futuro
através do passado.
Admirável Mundo Novo
Brave New World
Autor: Aldous Huxley
Tradução: Lino Vallandro e Vidal
Serrano
Editora: Globo
Quanto: R$ 21 (310 págs.) e R$ 8,50
(pocket)
A Ilha
Island
Autor: Aldous Huxley
Tradução: Gisele Brigitte Laub
Editora: Globo
Quanto: R$ 29 (444 págs.)
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