São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

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LITERATURA

Livros do autor inglês ganham versão em formato normal e pocket; "Admirável Mundo Novo" é um dos títulos

Eugenia de Aldous Huxley mantém-se atual

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

Houve um tempo -e nem faz tanto tempo assim- em que imaginar o futuro era uma boa diversão. Depois, o futuro chegou, superando as piores expectativas e ficando bem aquém das melhores, e parece que a ficção científica perdeu um pouco da sua graça. Afinal, as naves não vieram e temas como a clonagem de seres humanos se banalizaram ao ponto de até virar assunto para a novela das oito.
Do tempo em que viajávamos nos séculos que viriam, ficaram clássicos da literatura do gênero, a maioria deles atualmente muito difíceis de achar nas livrarias brasileiras -caso de "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, que a editora Francisco Alves deixou de publicar e não tem previsão de reedição, ou mesmo "1984", de George Orwell, atropelado pelo fim dos regimes comunistas no Leste Europeu, mas que permanece como boa literatura.
Para quem continua gostando de ficção científica, no entanto, uma boa notícia: a Globo está relançando, com tradução revista, os livros de Aldous Huxley, entre eles "Admirável Mundo Novo", talvez a previsão futurística que mais tenha acertado até agora. E, prova de que o futuro chegou mesmo, seguindo os padrões editoriais dos países mais desenvolvidos, os livros saem em formato normal e também em pocket, com preço bem mais em conta.
Em "Admirável Mundo Novo", de 1932, o autor inglês (1894-1963) imagina uma sociedade dominada pela eugenia, isto é, pela manipulação dos genes para melhoramento da raça. As classes estão divididas em castas genéticas: quem nasceu, ou melhor, quem foi planejado nos tubos de ensaio para ser Delta Menos nunca chegará a Alfa Mais. Um Ípsilon Semi-Aleijão, por exemplo, coitado, terá que se conformar em ser carregador de equipamentos pesados para o resto da vida.
É assim, utilizando o alfabeto grego em ordem decrescente, que Huxley divide sua sociedade de semi-autômatos com o destino programado desde o berço-pipeta, ou "bocal": fisicamente, intelectualmente, laboralmente, socialmente. As formas naturais de concepção foram banidas.
Claro que tanta previsibilidade podia gerar, às vezes, uma certa depressão. Nada que o poderoso "soma" não resolvesse -droga legalizada, algo como os nossos Prozacs e Lexotans de hoje em dia. "Lembre-se: com um centímetro cúbico se curam dez sentimentos lúgubres", diz uma das personagens, Lenina, a Bernard, que não gosta de tomar a pílula e, baixinho, sofre o romance inteiro com os boatos de ter sido vítima de um erro na decantação.
Em 1962, Huxley lançaria uma espécie de anti-""Admirável Mundo Novo", com outra sociedade saída de sua imaginação, mas muito mais otimista: "A Ilha", também reeditado pela Globo (a editora relança ainda "Sem Olhos em Gaza" e, no início do ano que vem, "Contraponto"). Já influenciado pelo orientalismo, o escritor cria Pala, que entraria para o rol de lugares utópicos da literatura.
Como no movimento hippie que começava a ganhar força na década, em Pala, a liberdade sexual é completa, graças à "ioga do amor". A estrutura familiar também tem mudanças significativas. Já não bastam os laços de sangue, mas os de afeto. Se a criança não se sente satisfeita ou não se identifica com os pais que tem, pode eleger outros -e vice-versa.
Na ilha também há uma droga, o "moksha", sem, porém, os mesmos efeitos anestésicos do "soma". É uma droga à base de fungos, "reveladora da realidade, a pílula da verdade e da beleza", feita não para esquecer os problemas, como é o "soma", mas para descobrir as origens deles nos recônditos da alma.
O "moksha" parece ser o resultado direto das experiências de Aldous Huxley com a mescalina, narrados em outro livro, "As Portas da Recepção" (que inspirou Jim Morrison a nomear seu grupo, The Doors). "Com 400 miligramas de "moksha" na sua corrente sanguínea, mesmo os principiantes (...) podem perceber num relance como é o mundo dos que foram libertados do cativeiro do próprio ego", prega Vijaya ao náufrago Will Farnaby.
Bem de acordo com as influências do período, a maior parte dos habitantes de Pala tem nomes hindus. É esta a receita de Huxley para a sociedade ideal: a combinação de budismo e ciência -com duas doses de "moksha" por ano para viajar um pouco, sem sair da ilha.
Quem já leu "Admirável Mundo Novo" e "A Ilha" vai querer reler; quem não conhece terá a chance. Em tempos de guerra, nada como um bom relançamento -ironicamente, indo para a época de Huxley para olhar o futuro através do passado.


Admirável Mundo Novo
Brave New World     
Autor: Aldous Huxley
Tradução: Lino Vallandro e Vidal Serrano
Editora: Globo
Quanto: R$ 21 (310 págs.) e R$ 8,50 (pocket)

A Ilha
Island     
Autor: Aldous Huxley
Tradução: Gisele Brigitte Laub
Editora: Globo
Quanto: R$ 29 (444 págs.)




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