São Paulo, sábado, 10 de outubro de 1998

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ANÁLISE
Criador queria um grupo de "nível"

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Nas palavras de Franco Zampari (1898-1966), criador do Teatro Brasileiro de Comédia:
"O TBC nasceu numa noite de euforia na qual muitos brasileiros sustentavam que só era possível existir teatro na França, nos Estados Unidos, Inglaterra e Itália. Isso quanto ao nível artístico, ao repertório e à interpretação. Eu, estrangeiro, porém casado com uma brasileira de 400 anos, me revoltei. E apostei que montaria uma companhia em São Paulo, dentro dos melhores moldes".
Da união de um napolitano com uma brasileira de 400 anos nasceria o TBC, "dentro dos melhores moldes", um ano depois, em 1948. A companhia se queria oposta ao teatro comercial, de comediantes como Procópio Ferreira.
Formou-se em parte com os elencos amadores de Alfredo Mesquita (1907-1986) e Décio de Almeida Prado, ambos influenciados pelas idéias do Cartel -como eram chamados os diretores que, na França de então, se insurgiram contra o teatro comercial.
Entre os diretores franceses, Louis Jouvet, que a Segunda Guerra manteve no Brasil no início dos anos 40. Mas o Grupo de Teatro Experimental (GTE), de Mesquita, e o Grupo Universitário de Teatro (GUT), de Almeida Prado, encontram raízes mais distantes.
Para Mesquita, elas remontam a 1916, quando "moços e moças da sociedade paulistana" apresentaram um espetáculo folclórico de Afonso Arinos, na Sociedade de Cultura Artística.
Outros se seguiram, até o GTE e o GUT, nos anos 40. E outros se seguiriam ao TBC, depois, em companhias como Teatro de Arena e Teatro Oficina.
Essa é uma das versões para a origem e a continuidade histórica do TBC -aquela versão que se estabeleceu, contada por alguns de seus próprios personagens.
˛ Cacilda e Sérgio Cardoso
Outra versão vê o TBC como uma sequência da experiência artística e de profissionalização das companhias amadoras cariocas Os Comediantes e Teatro do Estudante -anteriores ao GTE e ao GUT e de muito maior êxito. Foi com Os Comediantes que Nelson Rodrigues encenou "Vestido de Noiva". E foi o Teatro do Estudante que montou "Hamlet".
As grandes estrelas do TBC, Cacilda Becker (1921-69) e Sérgio Cardoso (1925-72), saíram respectivamente de "Vestido de Noiva" e "Hamlet", no Rio. De "Vestido de Noiva" também saiu o diretor Ziembinski (1908-78), levado ao TBC no início dos anos 50.
Uma terceira versão histórica, talvez a mais interessante por ser menos explorada e por não se guiar por bairrismo, mas por tradição cultural, especula sobre a continuidade, no TBC, das experiências teatrais da comunidade italiana de São Paulo.
Nos temas e personagens de Abílio Pereira de Almeida e Jorge Andrade, os autores brasileiros "oficiais" do TBC, em peças como "Santa Marta Fabril" e "Os Ossos do Barão", seria possível identificar o amadurecimento da comédia de costumes dos anos 30, na São Paulo ítalo-brasileira.
(Curiosamente, Abílio Pereira de Almeida é irmão do maior dramaturgo desse teatro esquecido de São Paulo, João Batista de Almeida, autor de "Filho de Sapateiro, Sapateiro Deve Ser".)
˛ Diretores
Com suas influências diversas, o que o TBC estabeleceu no teatro brasileiro, em grande parte devido a seus seis diretores italianos, três deles saídos da Academia de Arte Dramática de Roma (Adolfo Celi, Flamínio Bollini e Luciano Salce), foi o rigor técnico.
Um rigor que abrangeu a interpretação, a produção, cenografia, iluminação. O poder no teatro saiu das mãos dos chamados primeiros atores, como os velhos comediantes Procópio Ferreira e Jaime Costa, e passou à mão dos diretores -até então figuras praticamente inexistentes no teatro nacional.
Novamente, porém, isso é o que reza a história oficial. Na história oral, que se ouve de quem presenciou os espetáculos, inclusive seus críticos e historiadores, o que se tem de certo é o fascínio que deixaram as interpretações.
Passagens como as de Cacilda Becker como Kitty Duval, em "Nick Bar", Marguerida Gauthier, em "A Dama das Camélias", e Maria Stuart, em "Maria Stuart". Ou de Tônia Carrero como Suzana, em "Uma Certa Cabana", e como Elvira, em "Uma Mulher do Outro Mundo".
O "fenômeno" do TBC talvez se revele mais, afinal, nas fotos de Fredi Kleeman para Cacilda, Tônia e os demais intérpretes do que nas conclusões históricas.



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