São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"PETER KUBELKA - A ESSÊNCIA DO CINEMA"

Cineasta austríaco materializa música no CCBB

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O cineasta Peter Kubelka, cuja arte de vanguarda é o tema da mostra e do livro que serão lançados hoje, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, não parecia muito à vontade na sessão especial para a crítica promovida na semana passada. Problemas na projeção de seus filmes deixaram o austríaco meio acabrunhado.
Os projecionistas costumam ficar confusos com os "filmes métricos" de Kubelka. Os espectadores mais ainda. Há quase 50 anos, no lançamento de seu filme "Arnulf Rainer" em Viena, coube ao então jovem cineasta defender o projecionista. Kubelka teve que explicar para a sua própria mãe que o que vira na tela não fora um defeito de projeção, mas a sua obra-prima, um filme que corporifica a essência do cinema.
Essa essência, para Kubelka, é uma visão física do tempo. Usando os fotogramas como medida e os 24 quadros por segundo como compasso, Kubelka faz da película de cinema um corpo para o tempo, como se pudesse materializar a música. Os roteiros de seus "filmes métricos" seriam assim uma partitura. "Arnulf Rainer", por exemplo, é composto por combinações de luz (fotogramas brancos) e ausência de luz (fotogramas pretos), som (fotogramas com ruído) e ausência de som, combinações que seguem uma estrutura rítmica pré-elaborada, determinada pelo compasso próprio (de 1/24) do cinematógrafo.
Renunciando à imagem para se concentrar no ritmo, como que à procura do código genético do cinema, Kubelka encerrava o processo de depuração engendrado por sua trilogia de "filmes métricos". No primeiro, "Adebar", renunciara à representação cinematográfica; no segundo, "Schwechater", negara o movimento para afirmar o cinema como uma projeção de imagens estáticas, processo ditado por impulsos de luz e pelo ritmo em que estes incidem sobre a película.
A "trilogia métrica" cujos filmes foram encomendados e rodados como peças publicitárias, mas subvertidos pelo cineasta no processo de montagem, levou Kubelka a um auto-exílio, tal o escândalo que teriam produzido na Áustria dos anos 50. Também o condenou, de certa forma, a ser um eterno advogado de si mesmo, um teórico da própria obra, ofício que o austríaco parece ter aprendido na Nova York dos anos 60, quando encontrou a sua turma.
Avalizado por Jonas Mekas e Stan Brakhage, dois dos principais artífices do chamado cinema experimental americano, que fizeram de Kubelka personagem de seus filmes, o austríaco foi (auto)proclamado pai do "cinema estrutural", consagrando-se como um formalista radical, vanguardista de primeira linha. Resta saber até que ponto ele não se deixou escravizar por isso. Realizou apenas dois ou três filmes desde então, demorou cada vez mais tempo para finalizá-los, deixou alguns inacabados, contentando-se em defender suas teorias e legar algumas obras curtas e densas como quem lega belos poemas.
Entre os mais belos e engenhosos desses, consta "Unsere Afrikareise". Não é tanto um poema quanto um "romance de aventura" hipercondensado, um filme de 12 minutos que o cineasta demorou cinco anos para montar. Definitivamente, é nesse tempo entre a filmagem e a montagem, às voltas com o material filmado, debatendo-se com ele, que Kubelka concentra os seus esforços.


PETER KUBELKA - A ESSÊNCIA DO CINEMA. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651). Quando: de hoje a dom. Quanto: de grátis a R$ 8.


Texto Anterior: Doces bárbaros: Barrada no palco
Próximo Texto: Música: Bidê ou Balde faz do pop um esconderijo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.