São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

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Harry Potter intelectual

Morto há cinco anos, aos 50, o escritor cult chileno Roberto Bolaño vira best-seller nos EUA, tem obra inédita anunciada e o romance "Amuleto" lançado agora no Brasil

"Las Últimas Notícias"
Roberto Bolaño, que morreu enquanto esperava um transplante de fígado, aos 50 anos

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Os Estados Unidos vivem hoje duas manias. A Obama-mania e a Bolaño-mania."
A frase é de ninguém menos que Andrew Wylie, um dos mais importantes agentes literários do mundo. O representante de autores como Philip Roth, Saul Bellow e Norman Mailer declarou à Folha que, em 30 anos de atuação no mercado editorial, jamais havia observado um fenômeno de vendas como o que está sendo alcançado pelo chileno Roberto Bolaño (1953-2003).
Nos EUA, atualmente, menos de 4% dos livros de ficção são traduzidos de outras línguas. Neste cenário, um estrangeiro que atinge a marca de mais de 75 mil cópias vendidas com um só título ("2666") é um verdadeiro recorde.
Em novembro, a revista britânica "The Economist" dedicou ao fenômeno uma matéria com o título de "Bolaño-mania", enquanto o "New York Times" acaba de festejar o mesmo livro colocando-o em sua lista dos dez melhores de 2008.
O legado de Bolaño passou recentemente, a pedido de sua viúva, às mãos do escritório de Wylie. Na última Feira de Frankfurt, em outubro, o agente apresentou um livro inédito, "The Third Reich" (o terceiro reich), e anunciou o começo dos trabalhos de edição de outros escritos do chileno que ainda não vieram à luz.
"Quem me apresentou a seu trabalho foi Susan Sontag, que era uma grande fã. Ao lê-lo, fui percebendo que possuía uma voz muito diferenciada do que se encontra na literatura contemporânea. Tem um olhar que viaja do naturalismo para uma paisagem de sonho, alucinatória. Ele era uma espécie de Rimbaud", avalia o agente.
Lorin Stein, da Farrar, Straus & Giroux, atual responsável pela publicação de seus livros no país, diz que trata-se do "único novo autor em quem podemos realmente acreditar. Sua atitude diante da ficção, da posteridade, do significado da criação artística, é realista de um modo que não vemos em nenhum outro escritor nos dias de hoje", disse, em entrevista por e-mail.
E acrescenta, sobre a sensação que teve ao deparar-se pela primeira vez com seu universo: "Se um gigante como esse estivesse diante de nossos olhos e não conseguíssemos enxergá-lo, nós, das grandes editoras, teríamos de reconhecer que temos muito o que melhorar".
O sucesso deste homem de trajetória trágica, que morreu prematuramente aos 50 anos, de uma doença de fígado, está longe de ser novidade abaixo da linha do Equador.
Porém, enquanto no restante da América Latina seu talento é reconhecido pela crítica e tornou-se referência para toda uma nova geração, no Brasil seu prestígio ainda é relativamente pequeno.
Já lançados aqui, "Detetives Selvagens" (considerado seu principal livro), "Noturno do Chile", "Pista de Gelo" e "Putas Assassinas", venderam, cada um, uma média de 3.000 exemplares, o que é bom para os padrões locais, mas não chega a ser um êxito considerável.
A Companhia das Letras lança agora "Amuleto" e, em 2010, entregará às prateleiras o já mencionado "2666".

Juventude trotskista
Bolaño cresceu no México e voltou ao Chile natal no começo dos anos 70, entusiasmado com o governo do presidente socialista Salvador Allende. Derrubado o regime, em 1973, o jovem trotskista foi perseguido e passou alguns dias na prisão. Depois, partiu para a Espanha e, na Costa Brava catalã, acabou fincando raízes.
Seus livros tratam de modo original o gênero policial, mas também falam de política e drogas, além de refletir sobre a própria literatura, tendo usualmente escritores -e a si mesmo- como personagens.
Há colagens de histórias aparentemente independentes e personagens que transitam entre uma e outra. Seu estilo leva críticos mais apaixonados a compará-lo a Julio Cortázar.
Para o argentino Alan Pauls ("O Passado"), a originalidade de Bolaño está no cruzamento eficaz de "tradições que nunca tiveram muita simpatia uma pela outra: a aventureira e espontânea beatnik com a erudita e sofisticada ficção mais "letrada"." E resume: "É como se misturássemos Jack Kerouac com Jorge Luis Borges".
Já Stein faz outra comparação. Pelo fato de ter se tornado uma moda rápida, por criar histórias que mesclam thriller e questões existenciais, e por atingir um grande público com livros imensos, ela designa o chileno como "uma espécie de Harry Potter intelectual".
A foto acima, como se pode notar, não deixa de dar-lhe certa razão, pelo menos no que diz respeito à fisionomia do autor.


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