São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Se o meu apartamento falasse

Leopoldo Silva/Folha Imagem
O forrozeiro Frank Aguiar recebe colegas de seu partido para inaugurar seu apartamento, já pintado e decorado, em Brasília


Auxílio-moradia de R$ 3.000 por mês ou um apartamento funcional de 200 m2 para chamar de seu? Deputados federais escolhem a opção bancada pela Câmara e dão seu toque pessoal ao novo lar

Qualquer estiloso do bairro paulistano de Higienópolis daria tudo para ter um apartamento funcional à disposição, só para reformá-lo como quisesse: a residência básica dos parlamentares em Brasília lembra um daqueles imóveis caindo aos pedaços, mas enormes, do tradicional bairro do centro de São Paulo.

 

Construída há quase 40 anos, a maior parte dos 432 apartamentos tem cerca de 200 m2 padronizados e nunca reformados, salão retangular com móveis de laca dos anos 70, quatro quartos amplos com camas lascadas, três banheiros sociais com louça cor-de-ocre, e um closet na suíte que mede cerca de 10 m2 e abriga nove portas de armário de imbuia maciça.
 

Em Brasília, essas relíquias são tão desprezadas que há 144 delas desabitadas porque precisam passar por uma reforma. O apartamento funcional é uma das opções que os 513 deputados têm para habitar. Como sobra gente, a Câmara disponibiliza o chamado auxílio-moradia, um extra de R$ 3.000 para um aluguel.
 

Enviado especial a Brasília, o repórter Paulo Sampaio aproveitou a mudança de legislatura para saber como se dá a ocupação da cidade pelos políticos recém-chegados. Nos gabinetes do Congresso Nacional, verificou que o mercado de imobiliárias se agita como um leilão de ofertas. Alguns chegam a bater de porta em porta para oferecer flats, apartamentos e casas à beira do lago.
 

Munido de uma lista de deputados na mão, o administrador de empresas José Luiz de Mendonça, 55, entra nos gabinetes da Câmara à procura de um inquilino para o flat que comprou em janeiro no hotel Blue Tree, um dos mais requisitados por estar ao lado da residência do presidente, a 15 minutos do Congresso e em frente ao lago Paranoá.
 

"A demanda por imóveis cresce muito nessa época; 48% dos parlamentares estão chegando", calcula Mendonça, que investiu R$ 150 mil no apartamento de 52 m2, só para alugar. Ele quer R$ 2.600, já incluso o condomínio de R$ 800 e o IPTU. Mendonça entra no gabinete de Clodovil, onde a assessora Cristina explica que o costureiro procura uma casa no lago Sul ("ainda não encontrou uma que o agradasse").
 

Para morar naquela região, Clodovil vai ter de tirar do próprio bolso algo em torno de R$ 2.000 para somar ao auxílio-moradia, já que o aluguel de uma residência ali sai por cerca de R$ 5.000.
 

O privilégio do auxílio-moradia, vez ou outra, gera polêmica. Em 1996, descobriu-se que a então deputada Marta Suplicy recebia os R$ 3.000 mesmo morando no apartamento funcional ocupado por Eduardo Suplicy, seu marido na época. Até ele criticou a atitude de Marta, que acabou renunciando à ajuda mensal.
 

Em pé dentro da banheira colocada no corredor do apartamento, o deputado Sabino Castelo Branco (PTB-AM) explica que está em um hotel por cerca de dois meses, enquanto sua futura residência passa por reformas estruturais.
 

"Achamos melhor trocar tubos e fiação agora, para não ter de gastar mais depois. Mas não é comum fazermos tudo isso. Geralmente é só o piso e a pintura", explica o fiscalizador de obras do bloco, Antônio Rodrigues, 40.
 

Na quarta secretaria da Câmara, setor responsável pela habitação dos parlamentares, o diretor de coordenação, Luiz da Costa Neto, diz que existem 18 prédios aguardando reforma.
 

"A Câmara aprovou uma verba de R$ 24 milhões para a reforma de seis prédios em 2005, mas não deu tempo de fazer a licitação dentro do exercício financeiro; em 2006, conseguiram levantar a verba para R$ 37 milhões, mas aí estouraram todos aqueles escândalos e a mesa achou que não era o momento de gastar."
 

Mas nem todo apartamento funcional é uma sucata. Se o usuário anterior se dispôs a gastar em reforma ou decoração, o imóvel pode passar até a ser disputado pelos novos moradores de Brasília: fica com o melhor quem chega primeiro.
 

Costa Neto conta que o deputado Gilberto Nascimento (PMDB-SP), indiciado há cerca de dez dias sob acusação de envolvimento na máfia dos sanguessugas (que ele nega), empreendeu tamanhas melhorias no apartamento funcional que houve fila de pretendentes. Ganhou Felipe Pereira (PSC-RJ).
 

O forrozeiro Frank Aguiar (PTB-SP) convocou uma decoradora, pintou uma das paredes de vermelho, colocou sofás caros e pendurou esculturas nas paredes. "Essas peças lembram Brasília, lembram o partido, lembram Frank Aguiar", diz.
 

Os dois prédios da superquadra 311 sul também são bastante requisitados porque têm apenas 20 anos. "As esquadrias são de alumínio, e a tubulação, menos antiga", explica o administrador do bloco Luiz Roberto Alvarenga.
 

O deputado Emanuel Fernandes (PSDB-SP) entrou em seu funcional sem precisar pintar nem trocar nada. Herdou-o do colega Alberto Goldman. "Queria ter espaço para receber parlamentares", explica Fernandes, que mudou-se de São José dos Campos com a mulher, Juana.
 

Os deputados que optam pelo funcional em geral precisam de espaço para reuniões, querem privacidade ou vêm com a família. De acordo com a dona de imobiliária Eva Rosângela Oliveira, "o movimento de aluguel de imóveis caiu muito depois que o Lula entrou". "Os petistas moram em imóvel alugado na base, então acham ótimo mudar com a família toda para um funcional", explica.
 

Alvarenga, o administrador do bloco, diz: "Muita gente reclama do estado dos imóveis, mas, para alguns, isso aqui é um luxo".


Texto Anterior: Saiba mais: Novela inova ao retratar a vida nas favelas
Próximo Texto: DVDs- Crítica/ "Alemanha, Ano Zero": Rossellini lança seu olhar de fascínio sobre nação "zerada"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.