São Paulo, Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999
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FESTIVAL DE BERLIM
Documentário, que será exibido hoje no evento, narra matança de judeus no fim da Segunda Guerra
"Last Days" conta massacre de húngaros

Reuters
Steven Spielberg, que recebeu o Prêmio Câmera de Ouro em Berlim, pelo documentário 'Last Days'


AMIR LABAKI
em São Paulo

Steven Spielberg pode ser premiado por dois filmes diferentes no Oscar deste ano. "O Resgate do Soldado Ryan", com 11 indicações, divide o favoritismo para o prêmio principal com "Shakespeare Apaixonado", com 13.
Spielberg tem tudo ainda para ser premiado como produtor-executivo do documentário "The Last Days" (Os Últimos Dias), sobre o massacre pelos nazistas dos judeus húngaros no fim da Segunda Guerra. O filme é exibido hoje, fora de competição, no Festival de Berlim.
O favoritismo de "The Last Days" transcende a conhecida estima da Academia por documentários sobre a "solução final" contra os judeus. O diretor James Moll conseguiu resgatar, para uma trágica história já bastante visitada pelo cinema, o impacto de quando a conhecemos pela primeira vez.
"The Last Days" é o primeiro longa-metragem produzido pela Shoah Visual History Foundation, estabelecida por Spielberg após a realização de "A Lista de Schindler" (1993). O filme se estrutura a partir de cinco dos depoimentos de sobreviventes da perseguição nazista obtidos pela fundação.
As mulheres são Alice Lok Cahana, Renée Firestone e Irene Zisblatt. Os homens, Bill Basch e Tom Lantos. Eram todos crianças ou jovens nos anos da guerra na Hungria, onde em 1944 se concentrava a maior comunidade judaica na Europa após o início do genocídio.
A invasão da Hungria pelas tropas alemãs em 19 de março de 1944 deu início a um dos mais absurdos capítulos da história humana.
Mesmo sabendo-se próxima da derrota, a máquina nazista não concentrou seus esforços no conflito bélico, arrefecendo sua fúria contra os judeus. Fez o contrário. A tragédia dos judeus magiares adicionou assim um toque suicida aos últimos dias do Shoah.
Moll articula com maestria os detalhes das entrevistas com documentos audiovisuais da perseguição. Fotos impressionantes do processo de seleção às portas dos campos de extermínio ilustram a história da longa viagem de uma das mulheres, espremida como sardinha em lata num trem de carga. Um registro cinejornalístico da liberação choca com o desfile para a câmera de um grupo de cadáveres-ambulantes.
Cada entrevistado produz suas próprias metáforas da tragédia. Renée vestiu um maiô que ganhara do pai até ser obrigada a despir-se publicamente na entrada de um dos campos. Irene manteve por todo o tempo em seu poder os diamantes que sua mãe lhe dera para trocar por pão. Como? Engolindo-os e recuperando-os no banheiro, dia após dia.
Depoimentos extras completam o quadro. Um médico alemão, atuante num dos campos, conta como transformou a requisição para experimentos científicos brandos (sic) numa estratégia para manter vivos alguns prisioneiros.
Um judeu grego lembra como, trabalhando numa das câmeras de gás, solidarizou-se com conhecidos indicando onde deveriam se posicionar para terem uma morte mais rápida.
No último ano da guerra, 440 mil judeus húngaros foram dizimados. Pelas vozes dos vivos, são esses mortos que falam. É este o milagre maior de "The Last Days".


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