São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 2005

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FESTIVAL

Jockey Club exibe trípticos audiovisuais do premiado artista britânico

Em dose tripla, Isaac Julien aproxima o cinema e a arte

DA REPORTAGEM LOCAL

Um(a) é pouco para as idéias de Isaac Julien, 44. Cineasta, negro, escritor, artista, acadêmico e gay, não necessariamente nesta ordem, Julien usa três telas para levar adiante sua missão de romper as barreiras entre o mundo do cinema e o das ditas belas artes.
Premiado em Cannes e indicado ao Turner Prizer, em 2001, o cineasta britânico mostra em São Paulo, durante o festival Vivo Open Air, três de seus trípticos mais importantes: "The Long Road to Mazatlan" (2001), "Paradise Omeros" (2002) e "Baltimore" (2003); além de "Radioactive" (2004), exceção não só por usar uma "única" tela de projeção mas também por ser parte de um projeto maior, ainda inédito, que Julien mostrará no Centro Georges Pompidou, em Paris, só em maio.
Dois dias antes de embarcar para o Brasil, como convidado do festival, Julien deu a seguinte entrevista à Folha. (DIEGO ASSIS)

 

Folha - Por que optou por criar seus filmes em múltiplas telas?
Isaac Julien -
Estudei pintura e, desde que comecei a filmar, tento fazer um filme de belas-artes. Repensando os filmes para um contexto de galeria, senti que não poderia fazer os mesmos filmes que as pessoas vêem dentro de uma sala de cinema. Eles precisariam ter uma função escultural e arquitetônica. Artistas como Andy Warhol e Bruce Nauman já faziam isso, com o cinema expandido, mas estavam interessados na questão da forma. No meu trabalho, tento jogar com o cinema, com as expectativas da narrativa. É a cinematização da videoarte.

Folha - Ainda assim, você não abandonou completamente as salas de cinema...
Julien -
Gosto da idéia de ser interdisciplinar. Me vejo entre esses dois mundos: do cinema e da arte. Essa é uma das razões por que continuo fazendo documentários, como "Baad Asssss Cinema" [sobre o cinema negro dos anos 70, nos EUA], que foi mostrado na bienal do Whitney Museum, mas você também pode conseguir por US$ 15 na internet. É interessante que meu trabalho transite nesses dois espaços.

Folha - A volta dos cabelos afro, da black music, o sucesso de "Cidade de Deus" na Europa etc. A cultura negra está na moda?
Julien -
"Cidade de Deus" é um filme muito importante, estilisticamente impressionante. Gosto do Walter Salles também. Todo o cinema latino-americano tem sido muito bom. É um momento empolgante, há uma diversificação no mercado. Mas acho difícil falar em cultura negra ou cultura européia. Talvez essas palavras não descrevam o tipo de "crioulização" que está tendo lugar aqui. É, talvez, um novo estágio, difícil ainda de olhar criticamente. Não quero fingir que não haja um fator modista em essa cultura estar em voga, mas há uma mudança acontecendo, em escala global.

Folha - E com a cultura gay?
Julien -
Em termos da mídia, obviamente tem havido essa explosão das chamadas minorias, que vêm sendo co-modificadas. O mercado percebeu que há um ganho de capital no atendimento desses nichos. Mas, em termos de crítica, houve um momento importante nos anos 90, quando Ruby Ritch falava em um "new queer cinema" [novo cinema homossexual]. Não acho que seja isso o que estamos presenciando hoje. E gostaria de separar meu trabalho disso. Quero que meu público tome essas questões como dadas e se preocupe com o aspecto pictórico, técnico dos meus filmes, quaisquer que sejam as representações, brancas ou negras, hetero ou gay. Esse reconhecimento da diferença é algo com que a gente tem que começar a conviver. Em vez de olhar para os velhos problemas, devemos encarar o novo, as novas linguagens.


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