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Seminário discute paraíso digital
DO ENVIADO A CANNES
Se alguma certeza restou dos
três intensos períodos de discussão, anteontem e ontem no Hotel
Majestic de Cannes, é que o decantado consenso sobre as maravilhas da revolução digital do cinema é pura balela. Cannes permitiu-se dois dias de raríssima
pausa iluminista para seu mais
importante colóquio recente, intitulado "Le Cinéma à Venir" (O
Cinema do Futuro).
A importância da iniciativa, co-organizada pelo vespertino "Le
Monde", pôde ser medida por sua
abertura pela ministra da Cultura
e do Espetáculo, Catherine Tasca,
e por seu encerramento, ontem à
tarde, pelo próprio primeiro-ministro socialista Lionel Jospin.
Não menos impressionante foi
a lista eclética de cineastas participantes, 24 ao todo. Na sessão de
abertura, Walter Salles sentava-se
entre o otimista Brian DePalma e
um calado Wim Wenders. Hollywood de ontem e de hoje eram vizinhos com Sidney Lumet ("Rede
de Intrigas") e Sam Mendes ("Beleza Americana"). Um pólo terceiro-mundista era formado pela
iraniana Samira Makhmalbaf ("A
Maçã") e o indiano Murali Nair.
A intervenção de abertura da
ministra Tasca aqueceu o debate.
Tasca disse que "uma quarta revolução, a do digital e da Internet,
altera o consumo do filme".
Que revolução é essa? É a que
aposenta o tradicional filme de
celulóide em favor de fitas de vídeo digital, que poderiam ter seu
conteúdo transmitido por meio
de sinais em cabo, via satélite ou
da Internet.
Tasca sustentou que "o que há a
preservar é, antes de tudo, a diversidade", temerosa de que o salto
tecnológico concentre ainda mais
o poder de distribuição e amplie o
virtual monopólio do mercado
internacional pela produção americana. Na mesma direção, Salles
sustentava ontem que "multiplicação (de canais) não é necessariamente sinônimo de polifonia".
DePalma contra-argumentou
que, com a chegada da banda larga, que permite maior velocidade
no fluxo de imagens via Internet,
"todo computador vai virar uma
TV, e tudo que nós aqui produzimos vai ser consumido lá". Lumet, por sua vez, disse que "em
cinco anos o filme vai embora".
Ainda assim, Lumet é otimista:
"Telas enormes estão voltando".
O "senso de comunidade" forjou um pacto entre Lumet e a iraniana. "Ninguém ri sozinho de
um filme de Groucho Marx", disse Lumet. "Se todo mundo pode
fazer café, por que os cafés estão
cheios?", disse a cineasta.
(AL)
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