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CINEMA/ESTRÉIA
"DEU A LOUCA NOS ASTROS"
Diretor conta como histórias curiosas sobre Hollywood nortearam sua recente produção
"Humor de van" inspira filme de Mamet
DAVID MAMET
DO "THE NEW YORK TIMES"
A história já batida sobre filmagens é a de uma equipe que filmava um carro no alto de uma montanha. Era a tomada da chamada
"hora mágica", ou seja, o pôr-do-sol. A tomada já está pronta quando o gerente de externas diz: "Este
lugar é legal, mas aquele lá, a cem
metros de distância, é fantástico".
Todo mundo se desloca para o
outro lugar, e lá, no promontório,
se tem a vista mais maravilhosa. É
tudo perfeito, excetuando um pinheiro que ocupa o quadro. Eles
não pensam duas vezes: derrubam a árvore, colocam o carro, fazem a imagem e se dirigem ao aeroporto local.
Estão todos tomando um drinque enquanto esperam o avião. O
barman fala: "Vocês estão com a
cara contente". "Contente?", diz o
diretor. "É claro que estamos contentes. Acabamos de filmar a vista
mais linda que já vi na vida."
"Ah, sim", diz o barman, "vocês
só podem ter estado no espinhaço
do Pinheiro Solitário".
Histórias de cinema, coisas imperdíveis. Humor de van.
A maioria dos filmes é feita em
externas, e filmar em externas significa passar centenas de horas
dentro de vans. Acotovelamo-nos
nas vans para sair à caça de locações, para voltar aos locais escolhidos com pessoas do departamento de arte, para voltar novamente com o diretor de fotografia, para voltar outras vezes com o
pessoal de externas, dublês, efeitos especiais... Quatro horas por
dia, cinco dias por semana, vezes
dez semanas de pré-produção,
dão 200 horas passadas numa
van. A gente fala no celular, fofoca
e troca histórias de cinema. Falar
bobagem é uma estratégia eficaz
para reduzir as tensões na van.
Evidentemente, as histórias
mais valorizadas são as mórbidas:
quem vomitou em cima da câmera, quem embarcou no avião errado e foi parar na Tailândia, quem
se esqueceu de retirar o microfone grudado ao corpo e, com ele,
foi até o trailer para fazer amor
com uma pessoa não-autorizada
(enquanto o cara do som difundia
a trilha pelos alto-falantes do set).
Minha história predileta, esta
semana, é sobre o casal que alugou sua casa para uma filmagem.
"Vamos deixá-la melhor do que a
encontramos", lhes disseram
-frase que, por si só, já suscita
gargalhadas dentro da van.
Os técnicos ergueram uma fachada falsa diante da casa e, no dia
da filmagem, atearam fogo à fachada. Algo deu errado, e a casa
inteira pegou fogo. Os donos da
casa observavam tudo desde o
gramado de um vizinho e, olhando para o efeito realista, aplaudiram. "Aplaudiram três vezes",
contou a testemunha ocular.
Prato do dia na van: que suicídio não foi suicídio coisa nenhuma, que casamento não foi casamento? Quem manipulou os resultados do Oscar, quem envenenou a mulher, quem foi bonzinho
demais com os animais?
Sente-se -e é isso que proporciona parte do prazer- que as
histórias são sempre as mesmas,
apenas os nomes mudam. Basta
cortar os nomes que as leis de calúnia e difamação proíbem citar e
substituí-los por Ramon Navarro,
Wallace Reid, Roscoe Arbuckle,
Mary Miles Minter, William Desmond Taylor, Marilyn Monroe.
Costuma se dizer, em Hollywood, que não é possível fazer um
filme sobre Hollywood. Mas essa
máxima é desmentida por "Sullivan's Travels", "What Price
Hollywood?" (refilmado, é claro,
como "Nasce uma Estrela"), "The
Bad and the Beautiful" etc. Na
realidade, poderíamos aplicar a
máxima segundo a qual "em tempos de paz, devemos nos preparar
para a guerra; em tempos de guerra..." e traduzir a idéia para "está
na hora de fazer outro filme sobre
Hollywood".
Minha tentativa nesse sentido é
o filme "Deu a Louca nos Astros".
Foi inspirado na história do espinhaço do Pinheiro Solitário. Desta vez a produtora do filme, faltando três dias de filmagens, perdeu a locação para suas externas
(era uma cidadezinha da qual a
equipe foi expulsa quando o astro
do filme foi flagrado transando
com uma menor de idade).
A produtora invade uma nova
cidade e, naqueles três dias que
faltam, faz o possível para "deixá-la melhor do que a encontrou".
No momento, estou em fase de
pré-produção de outro filme. Estou passando horas e horas na
van, em Montreal e nas redondezas da cidade.
"Sim", dizemos, "dá pra filmar
Montreal para ser qualquer lugar.
Pode ser Boston -você pode ir
até a esquina e filmar a cidade para que seja Paris no século 18...".
No fim do dia, os ocupantes da
van especulam sobre como será a
busca de externas num futuro distante 300 anos. "Plutão", elas dirão, por exemplo. "Cara, adoro
Plutão. Dá pra filmar como se fosse Júpiter, dá para ser a Lua. Partes dele lembram os asteróides...".
É o humor de van.
David Mamet é diretor de cinema e dramaturgo
Tradução Clara Allain
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