São Paulo, Sexta-feira, 11 de Junho de 1999
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MÚSICA - RAP
Pavilhão 9 reage com disco mais pesado

MARCELO NEGROMONTE
da Redação


De 1997 até agora algumas centenas de jovens foram assassinados em São Paulo; certas vezes, dezenas de uma só vez, o que se convencionou chamar de chacina: mortes que não são ouvidas por ninguém, exceto pelos familiares dos envolvidos, e causam torpor.
De lá pra cá, a banda de rap da zona sul paulistana Pavilhão 9 lançou dois álbuns -o segundo saindo agora, "Se Deus Vier, Que Venha Armado", justo quando há uma campanha de desarmamento veiculada em cadeia nacional.
"Esse disco saiu mais homogêneo, elaborado e pesado que o anterior, "Cadeia Nacional" (97), porque está relacionado a essa violência banalizada que acontece hoje todos os dias em cada esquina de São Paulo", afirma o vocalista mascarado da banda, Rho$$i -codinome em "homenagem" à marca de armas homônima.
O disco foi produzido por Eduardo Bid (de Marcelo D2, Chico Science e Fernanda Abreu) e Carlo Bartolini e mixado e masterizado por Bill Kennedy (que já trabalhou com Nine Inch Nails, entre outros), em Los Angeles (EUA).
Com o rap assaltando as paradas norte-americanas e com os Racionais MCs, maior banda de rap do Brasil, vendendo mais de 1 milhão de discos, não seria esse álbum, também ele, um elemento tão vulgarizador quanto imagens de TV e páginas de jornal que tratam da violência?
"Não. Queremos alertar as pessoas do problema que existe na periferia. Eu queria falar bem da polícia, como falo dos bombeiros, por exemplo. Mas infelizmente não é o que acontece. Não são todos os policiais (que matam), é uma minoria, mas é o que é mostrado", diz Rho$$i, ele próprio vítima de agressões da polícia.
Engana-se quem vê incentivo do Pavilhão 9 à arma na cintura de todo cidadão -apesar de todas as evidências, dos nomes do disco e do vocalista, em contrário. "Discordo completamente desses grupos que defendem o direito de comprar e portar armas. Quanto mais armas nas ruas, mais mortes, isso é óbvio", esclarece o vocalista.
"O rap não são os caras violentos, marginalizados, é o contrário: somos cronistas da periferia, fazemos um retrato do cotidiano."

Morte, morte, morte
E morte é o que não falta em "Se Deus Vier, Que Venha Armado". Das belas -e fortes- imagens do encarte do álbum a letras de protesto sem metáforas, secas, duras, sobre assassinatos, desemprego, drogas, miséria em excesso.
"Crack, cocaína e heroína/ É fácil encontrar em qualquer esquina/ É foda assistir a tudo/ Mãe perde seu filho/ Num dia de domingo/ Terra de ninguém", diz "Terra de Ninguém". "Basta apenas olhar para ser liquidado pelos homens da lei, os donos da verdade (...) Alucinados, dopados (...), por motivo banal, te enquadram dando geral", diz uma das mais rappers do álbum, "Retrato de São Paulo", em que Rho$$i também cita tortura por parte dos policiais, em letra sem nenhuma dose de irrealidade nem poesia.
"Nós (a banda) já fomos parados por uma van policial, e o DJ Branco foi parar no hospital, devido a "cacetadas" levadas", diz Ro$$i. "Mas nos shows, hoje em dia, eles estão pegando mais leve. A arte do hip hop é a resposta."

Mudança
O extremo, o excesso de tiros, a falta de perspectiva para quem mora na periferia (principalmente a de São Paulo, mas não só) parece ter cansado o Pavilhão 9. "No próximo "trampo" vamos falar do lado bom, do futebol, da amizade entre as pessoas da periferia, que é muito entrosada."
Enquanto o novo disco não vem, a banda se apresenta dia 18, em Santos, dia 23, em Porto Alegre, dia 25, em Florianópolis, e faz o show de lançamento do disco em São Paulo nos dias 9 e 10 de julho, no Palace.


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